*Este artigo foi publicado na Revista LTr, em fevereiro de 2013, p.181-192, bem como em outras revistas especializadas.
A FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E SEUS REFLEXOS NA SAÚDE DO TRABALHADOR
PARTE 3
José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[1]
[1] (*) José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva é Juiz do Trabalho, Titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), Gestor Regional (1º grau) do Programa de Prevenção de Acidentes do Trabalho instituído pelo Tribunal Superior do Trabalho, Mestre em Direito das Obrigações pela UNESP/SP, Doutor em Direito Social pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), Membro do Conselho Técnico da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Subcomissão de Doutrina Internacional), Professor universitário e de cursos jurídicos em Ribeirão Preto (SP).
(**) Palestra proferida no Ciclo de Palestras de Direito do Trabalho e Previdência Social, na Faculdade de Direito da USP, campus de Ribeirão Preto, no dia 8 de novembro de 2012.
Quadro 5. Cidades brasileiras com as maiores taxas de doenças ocupacionais
Cidade
|
N. de doenças ocupacionais
|
Total de empregados
|
Taxa de enfermidade
|
Atividade principal
|
% da atividade econômica
|
Nuporanga
|
179
|
3.777
|
4.739,2
|
Indústria
|
68,6
|
Erechim
|
1.355
|
33.152
|
4.087,2
|
Indústria
|
36,8
|
São Vicente
|
1.054
|
32.624
|
3.230,7
|
Serviços
|
47,2
|
Comércio
|
31,8
| ||||
Chapecó
|
1.800
|
63.024
|
2.856,0
|
Indústria
|
33,9
|
Blumenau
|
3.163
|
116.135
|
2.723,5
|
Indústria
|
41,6
|
Itajaí
|
1.004
|
62.780
|
1.599,2
|
Serviços
|
43,2
|
Cotia
|
1.059
|
66.448
|
1.593,7
|
Serviços
|
36,3
|
Indústria
|
28,9
| ||||
São Paulo
|
14.603
|
4.489.076
|
325,3
|
Serviços
|
44,8
|
Florianópolis
|
656
|
244.253
|
268,6
|
Serviços
|
40,8
|
Fonte: Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho – AEAT 2008 – Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério da Previdência Social. Elaboração: autor do artigo.
Em continuação, surgem São José dos Campos (SP), Caxias do Sul (RS), Fortaleza (CE), Sorocaba (SP), Uberlândia (MG), Londrina (PR) e a cidade de Cotia (SP), esta com 1.059 casos, porém com uma taxa de 1.593,7. Destaca-se, ainda, São Vicente (SP), cidade que teve 1.054 casos de doenças não declaradas em 2008. Não obstante, segundo dados da RAIS, São Vicente tinha somente 32.624 empregos formais naquele ano, o que aponta para uma taxa de 3.230,7 casos por 100.000 trabalhadores.
O vigésimo quinto colocado nesta avaliação é o município de Itajaí (SC), com 1.004 casos não declarados, para um total de 62.780 empregos, logrando que sua taxa seja de 1.599,2 por 100.000 trabalhadores. Interessante notar que não é a indústria o maior empregador em Itajaí, mas os serviços, com 43,2% do total[1]. De se ter em conta que neste município possui o principal porto de Santa Catarina, que é o segundo colocado no ranking nacional de movimentação de contêineres. Outrossim, Itajaí é o maior exportador de frios do Brasil, sendo que, por isso, a atividade portuária é sua maior expoente[2]. Não obstante, não se pode olvidar que o transporte de mercadorias até o porto no Brasil é quase todo feito pelas rodovias, com um número gigantesco de caminhões e incontáveis acidentes envolvendo este meio de transporte – um dos motivos da nova Lei do Motorista Profissional. Ademais disso, as jornadas dos trabalhadores dos transportes, sobretudo do subsetor de cargas, é muito longa, havendo uma quantidade acentuada de casos de doenças laborais, inclusive por problemas posturais – aliados às excessivas jornadas, com pausas insuficientes –, o que merece uma atenção especial do governo.
Para finalizar, penso que é importante que esta investigação traga à colação minha experiência como juiz. Fui juiz titular da Vara do Trabalho de Orlândia (SP) de outubro de 2005 a setembro de 2010, por quase cinco anos, sendo que a maior quantidade de processos que tramitavam naquele juízo era, de longe, de uma só empresa, um frigorífico. Nestes processos era possível verificar uma desproporcional quantidade de pedidos de indenizações de danos provocados por doença do trabalho. Ocorre que o frigorífico desta empresa tem sede na pequena cidade de Nuporanga (SP), que tinha tão somente 3.777 empregos formais em 2008, segundo dados da RAIS/2008 e 2009, do MTE. Pois bem, esta empresa contava com 2.300 empregados, aproximadamente, o que representava quase 90% dos 2.591 trabalhadores do setor da indústria daquela cidade (dados de 2008)[3]. Então, pode-se afirmar que a economia desta cidade gira em torno desta empresa. Ocorre que a taxa de enfermidade de Nuporanga foi de 4.739,2[4] Um número absurdo, alarmante, que assusta quando se o compara a outras cidades.
Outrossim, a única atividade desta empresa, em Nuporanga, é o abate de frangos, e o número de processos judiciais de Orlândia, cuja jurisdição abarca aquela cidade, aponta para muito mais que 179 casos de doenças do trabalho por ano, o que torna a situação muito mais grave. E qual é a razão de tantas doenças? Como já dito, os acidentes típicos, assim como as doenças laborais, são fenômenos multicausais. Não obstante, as extensas jornadas de trabalho nesta empresa, principalmente por causa da não concessão das pausas necessárias, ao que se soma a exigência de alta produtividade, tem levado a estas cifras desumanas. Por isso se faz necessário estudar a relação entre estes dois temas: doenças e jornadas de trabalho inadequadas.
Além do mais, essa é uma realidade de praticamente todos os frigoríficos brasileiros, com o ritmo alucinante das esteiras de produção, surgindo um número desproporcional de doenças ocupacionais. A situação é tão grave neste setor que ultimamente a Justiça do Trabalho tem condenado – ainda que timidamente – as indústrias deste subsetor à concessão de pausas extras para que haja uma diminuição do número de doenças ocupacionais e se respeite o direito fundamental do trabalhador à saúde laboral[5].
Conclusão
Em definitivo, a intensificação do trabalho – que envolve também o aspecto qualitativo da jornada de trabalho, pois implica uma maior extração de mais-valia relativa, inclusive pela inadequada distribuição do tempo de trabalho –, levada a um nível insuportável na indústria e nalguns subsetores dos serviços, especialmente nos transportes e instituições financeiras, tem conduzido a um número preocupante de doenças ocupacionais, o que deve ser objeto de atenção especial por parte do governo brasileiro.
Com efeito, as extensas jornadas de trabalho – nos aspectos quantitativo e qualitativo – e a pressão constante por horas extraordinárias têm feito com que os trabalhadores se sintam impotentes, e vão percebendo, dia a dia, que a situação não melhora, somente se agrava, frente à ameaça de dispensa, fato que os remete a uma situação de total descontrole sobre sua vida pessoal e familiar. Quando percebem que já não têm mais vida, que vivem para trabalhar, ou que já perderam sua saúde ou inclusive sofrido um acidente, às vezes vêm as ideias suicidas.
Ante esta situação de extremo perigo à tão anunciada harmonia social, urge que o governo, os órgãos que regulam as relações laborais, os estudiosos do tema, comecem uma cruzada pela restauração dos limites efetivos de jornada de trabalho, a fim de que as pessoas trabalhadoras recuperem sua situação de pessoas, para o que se faz imprescindível o respeito a seus direitos fundamentais.
Para que isso seja alcançado, mister que o governo e os empregadores entendam que a saúde do trabalhador é um bem jurídico imprescindível à propagada dignidade humana. Como já se afirmou, é chegado o tempo de se promover uma filosofia da vida, todos e cada um de nós, pois é necessário trabalhar para viver, não viver para trabalhar, tampouco para morrer no trabalho.
[1] Destaque para a ocupação motorista de caminhão (rotas regionais e internacionais), que tinha 2.393 empregos formais em 2009, uma única ocupação que representa quase 4% do total de todas as ocupações de tantas atividades econômicas, em Itajaí.
[2] Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/Itajai>. Acesso em: 26/10/2010.
[3] Outro dado: havia, em 2008, 2.011 trabalhadores registrados como alimentador da linha de produção, 77,6% de todos os empregados da indústria de Nuporanga.
[4] 179 casos, divididos por 3.777 empregos, e multiplicados por 100.000 trabalhadores.
[5] Na Ação Civil Pública nº 3497-2008-038-12-00-0, promovida pelo Ministério Público do Trabalho, a empresa demandada foi condenada a conceder um total de 49 minutos diários em pausas para a recuperação da fadiga aos empregados que trabalham na atividade de desossa de frangos (cerca de 700 trabalhadores), no estabelecimento de Chapecó (SC). MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT) – PRT 12. “Empresa X terá que conceder pausas de recuperação de fadiga e não demitir empregados doentes”. Acesso em: 10 set. 2011. Disponível em: <http://www.prt12.mpt.gov.br/prt/noticias/2010_09/2010_09_29.php>.
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