segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Relação de Emprego de Advogado


 Meus caros, muito me intriga a utilização exacerbada da expressão "colaborador" para os prestadores de serviços, em todas as atividades econômicas, mas também no âmbito da advocacia.
    Há casos em que se verifica a plena autonomia do "colaborador", que poderia ser assim intitulado. No entanto, há casos em que o "colaborador" não passa de um autêntico empregado, estando presentes todos os requisitos de uma relação empregatícia.
    Recentemente apreciei uma causa de um advogado que postulava reconhecimento de vínculo de emprego e este se tornou patente. Há recurso interposto, mas segue a fundamentação da sentença para a apreciação de vocês e análise crítica.
    Abs. e boa semana.





RELAÇÃO DE EMPREGO


 O autor postula a declaração da nulidade do contrato de associação firmado com a ré na qualidade de sócio, com o consequente reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes.

De se destacar que a controvérsia dos autos consiste em que, na visão do autor, houve fraude a seus direitos trabalhistas porque, para prestar serviços à ré, ele foi contratado para integrar o quadro societário desta, tão somente para mascarar a relação de emprego existente entre as partes, até porque inexistiu entre estas o propósito associativo (affectio societatis).

A ré se defende, asseverando que o autor firmou, por sua livre e espontânea vontade, contrato de natureza civil de prestação de serviços de advocacia (contrato de associação), não havendo falar em qualquer relação de emprego entre as partes embatentes, até porque não houve subordinação jurídica nas atividades exercidas por ele, pois o autor tinha plena liberdade para atuar em casos particulares e não havia controle de jornada.

Pois bem, para o reconhecimento da existência da relação de emprego faz-se necessária a presença concomitante de todos os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, de modo que a ausência de um descaracteriza o seu reconhecimento.



Nesses termos, se caracterizada a autêntica prestação de serviços como autônomo, não há falar em relação de emprego e, por via de consequência, em quaisquer dos direitos trabalhistas postulados.

Tendo a ré alegado um fato impeditivo dos direitos postulados pelo autor, o onus probandi compete a ela (art. 818 da CLT; art. 333, inciso II, do CPC).

Passando à análise do conjunto probatório dos autos, entendo que a ré não se desincumbiu satisfatoriamente de seu ônus de comprovar o fato impeditivo alegado contra a pretensão do autor, ou seja, a existência de relação de trabalho autônomo mediante contrato associativo de advogado. Ao contrário, tenho que restou caracterizada a autêntica relação de emprego.

Conforme o depoimento prestado pela testemunha do autor, este cumpria jornada fixa, das 9h às 18h, de segunda a sexta-feira, com uma hora de intervalo intrajornada, sendo que, mesmo quando não houvesse serviço, ele tinha que permanecer no escritório no referido horário. Disse, ainda, que o autor fazia uso de veículo próprio nas viagens realizadas e que a ré pagava as despesas com base na quilometragem percorrida (itens 2, 9, 10, 11 e 15 – fls. 319/320 – grifo meu).

A primeira testemunha da ré disse que não participou da contratação do autor, não sabendo, ao certo, o que ficou combinado entre eles. Mais adiante, informou que tinham que acessar o sistema informatizado da ré para verificar os serviços que tinham que cumprir, como ir aos fóruns, peticionar, buscar veículos, já que a ré trabalha com busca e apreensão de veículos. Afirmou que, depois de um tempo, passou a dar treinamento em filiais, quando, então, recebia remuneração fixa. Disse que o autor recebia um valor fixo e mais o pagamento das metas, não sabendo elucidar quais eram os valores. Não soube esclarecer se o autor podia ter clientes particulares, sendo que a testemunha não os tinha, em virtude do volume de serviço. Disse que não recebia participação em honorários, acreditando que o mesmo ocorria com o autor (fls. 320/321 – grifei).

Demais, o depoimento prestado pela segunda testemunha da ré, além de não ter feito qualquer informação relevante, revelou-se extremamente inseguro, já que nem se recordava dos meses de sua admissão e saída da ré. Referido depoimento, portanto, não bastou para fins de formação do convencimento judicial quanto à matéria sob análise.

Ora, diante do conjunto probatório produzido nos autos, restou demonstrado que o autor cumpria jornada fixa, permanecendo à disposição da ré em seu escritório ainda quando não mais houvesse serviço, e que não recebia participação nos lucros e resultados da sociedade, pois recebia valor mensal fixo (conforme recibos de pagamento de fls. 36/76, cujos valores tinham variação mensal mínima de R$ 10,00 a R$ 15,00), além de eventuais ressarcimentos de despesas ou quilômetros rodados decorrentes de deslocamentos em trabalho.

Demais, restou comprovado que, além da remuneração fixa, o autor recebia conforme o cumprimento de metas. Ora, o fato de os associados terem metas a cumprir, no caso concreto, é uma relevante característica da subordinação jurídica, por se tratar de exigência de trabalho, rendimento e produção.

Por fim, de se destacar que os serviços prestados pelo autor se relacionavam à atividade-fim da ré – escritório de advocacia – bem como havia a necessidade permanente do trabalho do autor, o que se comprova pelo lapso temporal da relação estabelecida entre as partes (de 11-8-2008 - data da assinatura do contrato de associação – até 29-2-2012 – quando foi rescindido o ajuste inicialmente firmado). Verifica-se, portanto, a presença do elemento subordinação, em sua forma estrutural.

A ilação, portanto, é a de que a prestação dos serviços pelo autor não foi efetivada na condição de advogado associado, tal qual previsto no art. 39 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Declaro, pois, a nulidade do contrato de associação firmado entre as partes e, por via de consequência, a existência de vínculo empregatício entre o autor e a ré no período compreendido entre 11-8-2008 e 29-2-2012.

E sendo a continuidade da relação de emprego um princípio que milita em favor do empregado, tenho que o autor foi dispensado imotivadamente pela ré em 29-2-2012.


No mais, acolho, como primeiro e último salários recebidos pelo autor, as quantias informadas na prefacial, ou seja, os importes de R$ 771,27 e de R$ 1.585,09, respectivamente.

Determino, de ofício, que a ré proceda à anotação do contrato de emprego na CTPS do autor, com os seguintes dados: admissão em 11-8-2008 e dispensa em 29-2-2012; função de advogado; e salário inicial de                 R$ 771,27, com evolução salarial conforme recibos acostados juntamente com a prefacial. Tudo no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da sentença, a contar da intimação para tanto, sob pena de imposição coercitiva.

E deverá, ainda, providenciar os recolhimentos previdenciários do período contratual.

Outrossim, procede o pedido de pagamento de diferenças salariais com finco nas normas coletivas trazidas juntamente com a prefacial, pois a ré, em sua defesa, muito embora tenha alegado que esteja vinculada ao “SEAAC DE ARARAQUARA E REGIÃO” (fl. 173), sequer trouxe aos autos os instrumentos coletivos equivalentes a fim amparar referida alegação defensiva.

Sendo assim, condeno a ré ao pagamento das diferenças salariais de todo o período contratual, entre os valores mensais percebidos pelo autor e o piso mínimo assegurado no item “d” da cláusula terceira dos instrumentos coletivos de fls. 135/162, considerando-se, para tanto, o período de inscrição do autor no quadro dos advogados da OAB (desde 9-5-2003 – fl. 163). 

Procedem, no mais, os pedidos de pagamento das seguintes verbas:
a)      aviso prévio indenizado de trinta dias, devendo ser amortizada a quantia percebida no mês de março de 2012 (fl. 76);
b) décimo terceiro salário proporcional de 2008 (5/12), integral dos anos de 2009, 2010 e 2011 e proporcional de 2012 (3/12, considerada a projeção do aviso prévio indenizado);
c) férias vencidas dos períodos aquisitivos de 2008/2009, 2009/2010 (em dobro), 2010/2011 (forma simples) e proporcionais do período aquisitivo de 2011/2012 (7/12, considerada a projeção do aviso prévio indenizado) indenizadas, mais o terço constitucional;
d) FGTS de todo período contratual, inclusive sobre as verbas aqui deferidas, nas quais incide, mais multa de 40%;
e) multa do art. 477, § 8º, da CLT.

O pagamento dos valores devidos a título de FGTS atinentes a todo o período contratual far-se-á diretamente ao autor, o que torna desnecessária a entrega do TRCT para fins de soerguimento daqueles.

A ré deverá, ainda, fornecer ao autor, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da sentença, a contar da intimação para tanto, o comunicado de dispensa (CD/SD), apenas para requerimento do seguro-desemprego, sob pena de execução direta pelo valor equivalente, o que ocorrerá inclusive se ultrapassado o prazo legal para encaminhamento do Requerimento do Seguro-desemprego e o benefício não for pago.

O valor da indenização do seguro-desemprego, se for o caso, será calculado conforme previsão contida no art. 2º da Lei nº 8.900, de 30-6-94, e nos artigos correspondentes da Resolução do CODEFAT, em vigor quando da dispensa imotivada.

Diante da controvérsia instalada, não há falar em multa do art. 467 da CLT.

Oficie-se, após o trânsito em julgado, ao Ministério Público do Trabalho, à Receita Federal do Brasil e à Gerência Regional do Trabalho enviando-se-lhes cópia desta sentença e da ata de audiência de fls. 319/323, para que tomem as providências que entenderem cabíveis.

domingo, 10 de novembro de 2013

O ônus da prova e sua inversão no processo do trabalho. Parte Final




                 O ÔNUS DA PROVA E SUA INVERSÃO 
                       NO PROCESSO DO TRABALHO



                                                             PARTE FINAL



4.2. Princípio da aptidão para a prova.



Chegamos à inegável conclusão, destarte, de que  o único princípio, dentre todos os mencionados pelos processualistas já referidos, aplicável para se ter a inversão do ônus, é o da aptidão para a prova.


"Significa esse princípio que a prova deverá ser produzida por aquela parte que a detém ou que tem acesso à mesma, sendo inacessível à parte contrária. Consequentemente, é a que se apresenta como apta a produzi-la judicialmente"[1]. Assim, se o ônus da prova é do autor, mas ele, por causa de sua hipossuficiência econômica, técnica, de informações ou de educação, não tem como produzi-la, ou se encontra em situação de extrema dificuldade para tanto, pode o juiz cometer o ônus da prova ao réu, que terá, então, de provar o fato contrário ao afirmado pelo autor. Exemplo: o autor alega que não fez as ligações telefônicas para o exterior, cujo valor é muito mais elevado do que o das contas que vinha pagando, podendo o juiz determinar que a companhia telefônica produza a prova de que ele fez tais ligações.

Já Carnelutti dizia que, levando-se em conta o escopo do processo, é preciso verificar a "conveniência de atribuir a prova à parte que esteja mais provavelmente em situação de dá-la, e assim com base numa regra de experiência, a qual estabelece qual das duas partes esteja em condições melhores para fornecer a prova do fato", concluindo que "Unicamente assim o ônus da prova constitui um instrumento para alcançar o escopo do processo, que é, não a simples composição, mas a justa composição da lide"[2]. Então, tendo uma das partes o ônus da prova, mas a outra muito maior facilidade de demonstrar o fato contrário, pode o juiz inverter o ônus.

Exemplo perfeito é o dado por César Machado[3]: numa ação trabalhista aforada por um professor da rede particular de ensino em face de sua ex-empregadora, uma escola de curso pré-vestibular, em que se discutia sobre o número de alunos em cada sala onde eram ministradas aulas por aquele, fato cuja prova era necessária para que se deferisse o adicional proporcional à quantidade de alunos, houve a inversão do ônus da prova.

Acertada a decisão do culto magistrado porque era a empresa quem detinha toda a documentação referente aos alunos matriculados, como diários de classe, recibos de pagamento de mensalidades, tendo, portanto, muito maior aptidão para a prova do que o autor, que dificilmente, podendo ouvir apenas três testemunhas, teria como provar suas alegações[4].


4.3. Momento da inversão.

Resta investigar e definir, para a conclusão de nosso estudo, o momento em que se deve dar a inversão do  ônus da prova.

Kazuo Watanabe sustenta que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, a orientar o juiz quando não houver prova do fato ou a prova for "dividida", razão pela qual "somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, caberá ao juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de "non liquet", sendo caso ou não, conseqüentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível"[5]. Assim também pensam Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco.

Contudo, data maxima venia, a se pensar dessa forma se estará violando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e, em última análise, o devido processo legal, já que a parte, diga-se o réu, será pega de surpresa quando receber a sentença e verificar que não se desincumbiu de um ônus que nem sequer pensava ter. Ora, se somente na consciência do julgador se verificou necessária a inversão do ônus da prova, por ocasião do julgamento da causa, como poderia disso saber o réu? Como poderia antever que o juiz consideraria que tinha maior aptidão para a prova, se em momento algum do trâmite processual a matéria lhe foi revelada?

Pensamos, pois, estar corretíssima Sandra Aparecida Sá dos Santos, quando assevera que "O fator surpresa não pode existir no processo, seja qual for a natureza do objeto, bem como no que concerne ao reconhecimento do direito, porque processo e surpresa são incompatíveis entre si". E completa que, a se pensar que as regras de ônus da prova são exclusivamente técnicas de decidir, estar-se-á comprometendo "por completo a defesa do demandado, que antes do julgamento não teria o ônus processual da produção da prova, porque, até então, seriam aplicadas as regras gerais do processo"[6]. César Pereira também defende que o momento propício para a inversão do  ônus da prova é o início da audiência de instrução e julgamento, em que o juiz deve fixar os pontos controvertidos e o ônus processual de cada parte, com base nos arts. 765 e 852-D da CLT[7]. Somente dessa forma as partes terão segurança quanto ao procedimento de que se vale o juiz para a busca da verdade real.

O mesmo pensamento tem Carlos Roberto Barbosa Moreira, segundo o qual a tese de que a inversão se deve dar quando do julgamento ofende manifestamente os princípios do contraditório e da ampla defesa, porque "ao mesmo tempo em que estivesse invertendo o ônus da prova, o juiz já estaria julgando, sem dar ao fornecedor a chance de apresentar novos elementos de convicção, com os quais pudesse cumprir aquele encargo. Não seria demais recordar, ainda uma vez, que a facilidade da norma que prevê a inversão é a de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, e não a de assegurar-lhe a vitória, ao preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao fornecedor se deve proporcionar"[8].

Por isso o momento em que se deve dar a inversão do ônus da prova é o da fixação dos pontos controvertidos para a produção da prova, mormente a oral, ou seja, na audiência, tanto no procedimento ordinário quanto no sumaríssimo, tendo em vista que não temos despacho saneador no processo do trabalho.


5. Conclusão.

Em breve síntese, podemos concluir que:

1º) antes de se investigar de quem é o ônus da prova, tem-se que analisar a possibilidade de o fato alegado ser notório, confessado, incontroverso ou se em seu favor milita presunção legal ou jurídica de existência ou veracidade, e ainda se quanto a ele existe máxima de experiência, casos em que dele não se exigirá prova;

2º) havendo fato controvertido, relevante e pertinente que dependa de prova, exsurge o problema de se verificar de qual das partes é o ônus da prova, quando então se terá de averiguar a natureza dos fatos controvertidos, porque ao autor caberá a prova do fato aquisitivo do seu direito, quando negada a existência desse fato; ao réu a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, porque o fato constitutivo foi reconhecido, apenas se lhe negando os efeitos jurídicos; e, diante de fatos contrapostos, temos de aplicar o princípio ontológico de Malatesta: o ordinário se presume, o extraordinário se prova, para definir de quem é o ônus de provar;

3º) pode, no entanto, o juiz inverter o ônus da prova, com base na hipossuficiência do autor ou no princípio da aptidão para a prova, desde que o faça quando da fixação dos pontos controvertidos, para não macular os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e, em última instância, o devido processo legal.

 



Bibliografia


CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 20ª ed. atual. e ampl., São Paulo, Saraiva, 1995.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II, Trad. do original italiano por Paolo Capitanio, com anotações do Prof. Enrico Tullio Liebman, Campinas (SP), Bookseller, 1998.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Ônus de contestar e o efeito da revelia. Revista de Processo, vol. 11, nº 41, jan/mar 1986.
GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho. 9ª ed., São Paulo, LTr, 1995.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Teoria Geral do Processo. 10ª ed. rev. e atual., São Paulo, Malheiros Editores, 1994.
MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no processo do trabalho. 3ª ed. rev. e atual., São Paulo, LTr, 2001.
PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo, LTr, 2001.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 2º vol., 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 1990.
SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova: como garantia constitucional do devido processo legal. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.
SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Questões relevantes do procedimento sumaríssimo: 100 perguntas e respostas. São Paulo, LTr, 2000.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 5ª ed. rev. e ampl., 4ª tiragem, São Paulo, LTr, 1993.
__________. Curso de processo do trabalho: perguntas e respostas sobre assuntos polêmicos em opúsculos específicos, nº 6: provas. São Paulo, LTr, 1997.
VIANA, Márcio Túlio. Critérios para a  inversão do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo, Revista LTr, ano 58, nº 10, out. 1994.






 










[1] Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 139.
[2] Apud Márcio Túlio Viana, artigo citado, p. 1223.
[3] Op. cit., p. 147.
[4] Podemos dar ainda o seguinte exemplo: o motorista que se ativa em longas viagens, por vezes saindo num dia e retornando apenas no outro, dificilmente terá como provar a alegada sobrejornada. Tem, pois, o empregador muito maior aptidão para demonstrar o contrário, inclusive porque detém os discos de tacógrafo, nos quais constam os horários de funcionamento do veículo que era dirigido pelo autor.
[5] Apud Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 153.
[6] A inversão do ônus da prova: como garantia constitucional do devido processo legal. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 82.
[7] Op. cit., p. 156-157.
[8] Apud Sandra Aparecida Sá dos Santos, op. cit., p. 84.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O ônus da prova e sua inversão no processo do trabalho. Parte 3




                  O ÔNUS DA PROVA E SUA INVERSÃO 
                       NO PROCESSO DO TRABALHO



                                                             PARTE 3





3.6. Ônus objetivo e ônus subjetivo.

Embora tenhamos como conveniente que o juiz, sempre que possível ou necessário, defina de quem é o ônus da prova quando da instrução processual, não podemos olvidar que, se no momento de proferir a sentença, ele verificar que a prova foi produzida pela outra parte e não pela que tinha a incumbência de fazê-lo, a tomará em conta e terá o fato como provado.

Por isso se fala em ônus subjetivo e ônus objetivo na doutrina. Ora, quando as partes comparecem a juízo alegam fatos diversos e por vezes contraditórios, sendo elas próprias as maiores interessadas em que o juiz se convença da veracidade dos fatos que afirmaram. Aí o ônus subjetivo, segundo o qual a parte pode se valer de todos os meios lícitos permitidos para convencer o juiz de que o fato ocorreu, para obter as conseqüências jurídicas dele previstas.

Entrementes, para o julgador não importa quem produziu a prova do fato, bastando que o encontre provado. Por óbvio, se o ônus era de uma parte e a outra acabou, inadvertidamente, demonstrando o fato que não tinha de provar, essa situação proporcionará ao juiz ainda mais certeza.

E se porventura não houver prova dos fatos alegados ou se a prova se encontrar "dividida", o juiz terá de se valer das regras do ônus da prova, para decidir em desfavor daquele que tinha a incumbência de demonstrar o fato afirmado, ou seja, contrariamente aos interesses da parte que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. Tem-se, aqui, o chamado ônus objetivo[1].



4. A inversão do ônus da prova.

Muito se comenta no processo do trabalho sobre a inversão do ônus da prova. Pensamos, maxima venia, que vários equívocos têm sido cometidos, no entanto.

O primeiro deles é considerar, na prática, como de inversão do ônus casos de autêntica definição. Se o autor alega que foi empregado porque prestou serviços pessoalmente ao réu, de forma habitual e mediante remuneração, e este, reconhecendo esse plexo de fatos, argúi que o autor era, entretanto, autônomo, ou eventual, cabe ao réu a prova da exceção. Portanto, não há falar em inversão do ônus da prova nesse caso. O mesmo raciocínio se aplica para os casos de alegação de falta grave ou justa causa, que também se trata de fato impeditivo do direito do autor, neste caso ao recebimento de suas verbas resilitórias.

Também quando o juiz determina a exibição de documentos probatórios de pagamento não está invertendo o ônus da prova, porque pagamento é fato extintivo do direito, sendo do réu o ônus da prova correspondente.

Destarte, a inversão se dá apenas quando, pelas regras já vistas, o ônus compete a uma das partes e o juiz, motivadamente, transfere-o à outra parte. O exemplo clássico está retratado na Súmula 338 do TST, em sua redação original, segundo a qual se a empresa não cumpre a determinação de exibição dos controles de horário (art. 74, § 2º, da CLT), tem-se como verdadeiros os horários descritos na exordial, que podem, no entanto, ser elididos por prova em contrário.



Vê-se, pois, que o ônus da prova da sobrejornada é do autor, porque se trata de fato extraordinário. Se ele escolhe como meio de prova os documentos que se acham em poder do empregador, determinará o juiz a sua exibição. Não cumprida a determinação, aplicam-se as cominações do art. 359 do CPC, ou seja, tem-se como provada a sobrejornada, exceto se a recusa se fundar no fato de não ter o empregador mais de dez empregados, fato que deve ser provado pelo réu. Mas, se o réu requerer a inversão do ônus da prova, desde que tenha afirmado horário de trabalho na defesa, poderá o juiz isso deferir, caso em que se terá como invertido o ônus da prova.

Difere esse caso dos anteriores porque naqueles o ônus da prova, desde o início, era do réu. No último exemplo não, o ônus passou a ser do réu somente após o descumprimento da ordem judicial.

Ainda no estudo dos equívocos temos a consideração de princípios autorizadores da inversão do ônus da prova no processo do trabalho. Márcio Túlio Viana elenca os seguintes: a) princípio in dubio pro misero; b) máximas de experiência;              c) princípio da aptidão para a prova; d) regras de preconstituição da prova; e) princípios do direito material do trabalho[2]. O Ministro Carlos Alberto Reis de Paula trata dos princípios: a) da aptidão para a prova; b) in dubio, pro operario; c) da preconstituição da prova[3].

Sobre o equívoco de se considerar as presunções e as máximas de experiência até mesmo como regras para a definição do ônus da prova já discorremos anteriormente. Os princípios específicos de direito do trabalho, especialmente o da proteção, com a regra in dubio pro operario, pode ser utilizado somente quando houver séria dúvida sobre a definição de quem é o ônus da prova no caso concreto, jamais podendo ser utilizado no campo da valoração da prova. Outros princípios, como o da continuidade da relação de emprego, podem ser utilizados no campo das presunções, num momento anterior ao da definição do ônus e, por óbvio, nunca no de se inverter esse ônus.

Quanto ao princípio da preconstituição da prova, não se trata de princípio, porque se refere à prova preconstituída, que é sempre documental. Referida prova pode ser instituída por determinação legal ou por conveniência das partes, sobretudo porque se destina a perpetuar o fato nela noticiado, para que dele não se tenha dúvida no futuro, extrajudicialmente ou em processo judicial.

É certo que o empregador tem diversas obrigações de documentar atos da relação de emprego, que é de duração (ou de trato sucessivo), citando-se, como exemplos: anotação da CTPS, registro do empregado, controle de horário de trabalho quando tiver mais de dez empregados, concessão e pagamento das férias, pagamento do salário etc. Mas, onde está a obrigação legal de exibir tais documentos em juízo? Ao se pensar que, pelo fato de o direito material exigir a documentação dos atos da relação de emprego, estará o empregador obrigado a trazer tais documentos ao processo, estar-se-á admitindo que o ônus da prova se trata, em verdade, de uma obrigação ou de um dever legal. Ninguém está obrigado a, espontaneamente, produzir prova contra si.

Agora, se houver determinação judicial de exibição, aí sim terá o empregador o dever de cumprir, salvo justo motivo, o que dificilmente se configurará quando ele tiver a obrigação legal de ter o documento. Esse raciocínio não macula o princípio do contraditório e da ampla defesa e deságua na mesma consequência querida pelos defensores da tese contrária à nossa: a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, quando do descumprimento da determinação judicial de exibição dos documentos. E não fere também o princípio dispositivo, porque se o autor não requereu a exibição do documento é porque tinha melhor meio de prova ou já sabia de antemão que o documento não retratava a realidade ocorrida no curso da relação de emprego.


4.1. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Costuma-se colocar ainda que as presunções e as máximas de experiência são hoje utilizadas até mesmo no processo comum, para a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, autorizando, inclusive, a inversão do ônus da prova, em seu favor[4]. Mas, numa leitura atenta do dispositivo legal, verifica-se que os critérios autorizadores da inversão do ônus da prova são a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor. As regras de experiência são a fonte da qual deve se socorrer o juiz para verificar a presença dos tais requisitos.
O Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, em sua valiosíssima obra, deixou evidenciado que as situações permissivas da inversão do ônus da prova são as já citadas verossimilhança e hipossuficiência[5]. E cita Kazuo Watanabe, para quem na primeira hipótese não há, em verdade, inversão do ônus da prova. Correto tal pensamento, porque, como já vimos, as máximas de experiência levam à conclusão de que o fato é verossímil e, portanto, tem-se-o como provado. Se se alega fato contrário ao parecido com a verdade, de quem o faz é o ônus da prova, não se podendo falar em inversão do referido ônus.

Na segunda hipótese pode sim ocorrer a inversão do onus probandi. E a hipossuficiência pode ser técnica, de informações, de educação, não necessariamente econômica. O mestre paulista, um dos autores do anteprojeto que resultou na mais avançada lei brasileira, exemplifica que, num conflito de interesses entre dado consumidor e a montadora de veículos, acerca de vício de fabricação, "se o consumidor é pessoa dotada de situação econômica capaz de suportar os custos da demanda, a interpretação restritiva da hipossuficiência acima mencionada obrigaria o consumidor a assumir o ônus da prova", não tendo sido, no entanto, esta a vontade do legislador. "Numa relação de consumo como a mencionada, a situação do fabricante é de evidente vantagem, pois somente ele tem pleno conhecimento do projeto, da técnica e do processo utilizado na fabricação do veículo, e por isso está em melhores condições de demonstrar a inocorrência do vício de fabricação". Conclui o doutrinador que, "ocorrendo, assim, situação de manifesta posição de superioridade do fornecedor em relação ao consumidor, de que decorra a conclusão de que é muito mais fácil ao fornecedor provar a sua alegação, poderá o juiz proceder à inversão do ônus da prova"[6]. Vê-se, portanto, que o critério está intrinsecamente ligado ao princípio da aptidão para a prova, do qual trataremos em seguida.

Apenas para finalizar este tópico, nem se pode questionar sobre a aplicabilidade do indigitado dispositivo legal no processo do trabalho, dada a lacuna, injustificável, diga-se de passagem, da nossa Consolidação, bem como a notória compatibilidade com os princípios juslaborais[7].




[1] Fala-se por isso no princípio da aquisição, sendo para o juiz importante encontrar o fato provado, não importando quem produziu a prova. Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco. Teoria Geral do Processo. 10ª ed. rev. e atual., São Paulo, Malheiros Editores, 1994, p. 350.
[2] Critérios para a inversão do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo, Revista LTr, ano 58, nº 10, out. 1994, p. 1218-1224.
[3] Op. cit., p. 139-148.
[4] Márcio Túlio Viana, op. cit., p. 1223. A regra, como se sabe, é a do art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90, conhecida como Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
[5] Op. cit., p. 150.
[6] Apud Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 150-151.
[7] São os conhecidos requisitos do art. 769 da CLT, para a aplicação subsidiária de dispositivos do processo comum.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O ônus da prova e sua inversão no processo do trabalho. Parte 2.



                                                         
                  O ÔNUS DA PROVA E SUA INVERSÃO 
                       NO PROCESSO DO TRABALHO



                                                             PARTE 2




3.2. O art. 335 do CPC.

Ainda antes de examinar os fatos controvertidos para se saber de quem é o ônus da prova, temos de verificar se quanto ao fato alegado não existem máximas de experiência que podem ser aplicadas.

A utilização delas está autorizada pelo art. 335 do CPC, podendo se tratar de: 1) regras de experiência comum do juiz, com base na observação daquilo que habitualmente acontece em determinado lugar ou em determinada questão; 2) ou de regras de experiência técnica, que não integram o seu conhecimento geral, mas provém de conhecimentos especializados em determinada ciência, arte, ofício ou profissão. Resultam, pois, de uma atividade intelectual do juiz, de sua cultura geral ou específica; ex.: em dias de chuva forte não há atividade na lavoura; nos períodos de safra (colheita) a atividade rural é mais intensa[1]; quando há apenas um vigia ou vigilante no posto de trabalho, é sinal de que não pode abandonar tal posto durante sua jornada de trabalho.

Citamos em nosso livro o exemplo dos intervalos intrajornada dos cortadores de cana-de-açúcar e dos colhedores de laranja, que, segundo as máximas de experiência comum, advindas de inúmeras instruções, em processos que têm como ré a mesma empresa, revelam-se praticamente idênticos em todos os casos. Se o juiz já sabe que naquela empresa os fatos se passam daquela forma, para que instruir todos os dias um sem número de processos para chegar ao mesmíssimo resultado? Carecem, pois, de prova, os fatos sobre os quais pairam verossimilhança, de acordo com as máximas de experiência comum.

Portanto, confirmado que o vigia ou vigilante trabalhava sozinho no posto determinado, não terá o autor de produzir prova de que não usufruía intervalo. Verificado que todas as turmas de trabalho se ativam em condições idênticas ou muito semelhantes em determinada empresa, no período de corte de cana ou de colheita de laranja, não terá o autor de provar que usufruía apenas 15min de intervalo para almoço e outro tanto para café, por exemplo.


3.3. A definição do ônus da prova.

Mas, se nada disso houver, ou seja, se não existirem fatos notórios, confessados, incontroversos, presumidos ou sobre os quais haja máximas de experiência, exsurge o problema de se verificar de quem é o ônus da prova.

Havendo, pois, fatos controvertidos, relevantes e pertinentes[2], ter-se-á que investigar sobre o ônus da prova, à luz do art. 333 do CPC, tendo em vista que, uma vez mais, o art. 818 da CLT apenas enuncia um princípio geral a respeito da prova.


3.4. A natureza dos fatos controvertidos.

Preleciona Carlos Alberto Reis de Paula que, dentre as tantas teorias criadas para a repartição do ônus da prova entre as partes, merecem destaque as de Chiovenda, Rosemberg e Micheli, especialmente a teoria desenvolvida por Chiovenda, por ter sido a adotada no direito processual brasileiro (art. 333 do CPC). "Por esta teoria, indica-se a qual das partes incumbe o ônus da prova, consoante a natureza dos fatos"[3]. Assim, precisamos verificar se os fatos controvertidos são aquisitivos, impeditivos, modificativos ou extintivos de direitos.

Giuseppe Chiovenda, após verificar que não há como estabelecer um princípio geral e completo para a regência do ônus da prova, asseverando que a justificativa da repartição do referido ônus entre as partes está num princípio de justiça distributiva, qual seja, o princípio da igualdade das partes, enuncia que ao autor compete o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito, cabendo, portanto, ao réu: a) "provar fatos que provam a inexistência do fato provado pelo autor, de modo direto ou indireto (e dizem-se motivos) e temos aí a simples prova contrária ou contraprova"; b) ou, "sem excluir o fato provado pelo autor", afirmar e provar "um outro que lhe elide os efeitos jurídicos, e aí temos a verdadeira prova do réu, a prova da exceção"[4] (destaques do autor).

E explica que a mencionada repartição do onus probandi leva em conta as condições de existência de uma relação jurídica, devendo o autor, assim, provar as condições específicas dessa relação, ou seja, as que lhe são próprias, essenciais, como o consenso e o preço da coisa na compra e venda. Não tem, portanto, o autor de provar as condições gerais, comuns a todos os negócios jurídicos, como a capacidade dos agentes, a seriedade do consenso, que a coisa não se trata de bem fora do comércio. A falta dessas condições habitualmente presentes deve ser provada por quem a alegar, o réu, por ser fato impeditivo. Em síntese: "o autor deve provar os fatos constitutivos, isto é, os fatos que normalmente produzem determinados efeitos jurídicos; o réu deve provar os fatos impeditivos, isto é, a falta daqueles fatos que normalmente concorrem com os fatos constitutivos, falta que impede a estes produzir o efeito que lhes é natural"[5].

A mesma doutrina é professada por Moacyr Amaral Santos, para quem a distribuição do ônus da prova pode ser sintetizada em duas regras:

1ª) ao autor cabe a prova dos fatos dos quais deduz o seu direito, ao passo que ao réu incumbe a prova dos fatos que, de modo direto ou indireto, atestam a inexistência daqueles, ou seja, a prova contrária ou contraprova;

2ª) ao autor compete a prova do fato constitutivo e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo, explicando que essa regra "reafirma a anterior, quanto ao autor, e atribui o ônus da prova ao réu que se defende por meio de exceção, no sentido amplo"[6].

Convém ressaltar ainda que não corresponde à melhor doutrina a diuturna afirmação de que não se produz prova de fato negativo. O que não se pode exigir é que a parte produza prova da negação do fato, porque absolutamente impossível, ou pelo menos extremamente difícil. No entanto, do fato negativo se pode exigir a produção de prova porque, em verdade, eqüivale a uma afirmação, qual seja, a de que o fato positivo afirmado pelo autor inocorreu. E a doutrina nos dá exemplos clássicos a esse respeito: se o réu nega que seja italiano é porque tem outra nacionalidade (Amaral Santos); se o réu nega que o tecido seja vermelho está afirmando que o tecido é de outra cor (Chiovenda) etc. Chiovenda observa que o próprio autor pode ter de provar um fato negativo, quando este se constitui no fundamento de sua demanda, ex.: prova de que não era devedor na ação de repetição de indébito; prova da omissão culposa na ação de responsabilidade civil; prova da inexistência do direito (da relação jurídica) na ação declaratória negativa[7].

Do quanto se expôs até aqui podemos afirmar:

1º) se o autor alega um fato aquisitivo do seu direito e o réu simplesmente nega a existência desse fato, cabe ao autor o ônus da prova, ex.: o autor afirma que prestou serviços ao réu na condição de empregado, negando o réu a prestação de serviços; o autor afirma labor em horas extras e o réu nega a sobrejornada etc.;

2º) se o autor alega um fato constitutivo e o réu outro lhe opõe, segundo a doutrina cada um teria de produzir a prova de suas alegações, mas continuaríamos no dilema de saber de quem é, efetivamente, o ônus da prova, razão pela qual preconizamos, para a solução do problema, a aplicação da máxima insuperável em matéria de prova: o ordinário se presume, o extraordinário se prova[8], ex.: o autor alega que prestava serviços pessoalmente ao réu, dele recebendo a contraprestação devida, de forma habitual, e o réu, mesmo reconhecendo tais fatos (ou não os contrariando), aduz que o autor não era seu empregado - era o quê, então? - o ordinário é que quem trabalha nessas condições seja empregado, presumindo-se a subordinação, cabendo, portanto, ao réu o ônus da prova da condição jurídica do trabalhador (se era autônomo, eventual ou qualquer outra coisa que não empregado), cabendo-lhe, assim, o ônus da prova do fato contraposto; por outro lado, se o autor afirma que se ativava das 7h às 17h, sem intervalo  intrajornada, defendendo-se o réu dizendo que ele o fazia das 7h às 16h, com 1h de intervalo, não tem este de provar o fato contraposto, porque o ordinário é que não se trabalhe em regime de horas extras, que são extraordinárias;

3º) se o autor afirma um fato e o réu o reconhece (ou não o nega), mas outro lhe opõe, impeditivo, modificativo ou extintivo dos efeitos que seriam produzidos por aquele, cabe ao réu o ônus da prova, porque ao réu incumbe provar o fato que fundamenta sua exceção (de direito material), ex.: o autor alega que prestava serviços habitualmente ao réu, dele recebendo salário, mas o réu, reconhecendo ou não negando tais fatos, argumenta que o autor era autônomo, ou que era eventual; o autor afirma que laborava das 7h às 17h, sem intervalo intrajornada, e o réu afirma que ele era gerente, ou que se ativava em serviços externos sem qualquer controle de jornada.

É curioso notar que, se o réu alega que o autor era autônomo ninguém duvida de que a ele cabe o ônus da prova, por se tratar de fato impeditivo do direito afirmado, mas, na mesma situação, apontada no outro exemplo, em que o réu reconhece o plexo de fatos afirmados pelo autor, mas alega que este não era seu empregado, a doutrina e a jurisprudência afirmam que, nesse caso, ao autor incumbe o ônus da prova. Ora, para situações idênticas, igual deve ser a solução. Se ordinariamente quem presta serviços de forma pessoal e habitual, recebendo a devida contraprestação, é empregado, porque presumida a subordinação, não se justifica tratamento desigual para o caso de o réu alegar: 1) num processo que o autor não era empregado; 2) e noutro que o autor era autônomo[9].


3.5. Momento da definição.

Questão interessante é a de se estabelecer qual o momento ideal para a definição do ônus da prova. Dizem uns que tal deve ocorrer no saneamento do processo, onde o juiz fixa os pontos controvertidos, decide as questões processuais pendentes e determina as provas que serão produzidas, designando audiência de instrução, se necessária, conforme o § 2º do art. 331 do CPC[10].

Outros, e são a maioria, afirmam que, em verdade, as regras de distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, sendo, portanto, levadas em consideração pelo juiz apenas quando da prolação da sentença[11]. Daí se vê que o tema é daqueles que não comportam uma definição absoluta.

Quer nos parecer que, data venia, o juiz deve, sempre que possível, ao fixar os pontos controvertidos que dependem de prova a seu respeito, definir de quem é o ônus da prova, porque pode ocorrer de a parte ser pega de surpresa quando da leitura da sentença, na qual se fez consignar que dela era o ônus da prova e dele não se desincumbiu, o que fere os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Exemplificamos: o autor alega que foi empregado do réu, negando este aquela qualidade; na audiência de instrução o autor não apresenta testemunhas, desistindo o réu de ouvir as suas; na sentença o juiz decide que o réu não se desincumbiu de seu ônus, porque ao reconhecer a prestação de serviços de forma pessoal, habitual e remunerada carreou para si o ônus de provar que ainda assim o autor não foi seu empregado. E a situação se agrava se não for seguido o princípio da identidade física do juiz, tendo o que dirigiu a audiência de instrução “desaconselhado” o réu da produção da prova e isso, como regra, não tiver constado da respectiva ata.

Demais, há diversas oportunidades em que o juiz fixa o ônus da prova quando da instrução, ex.: diante da alegação de justa causa o juiz define que o ônus da prova do fato é do réu; o réu alega que o autor era autônomo e o juiz define que é dele o ônus da prova do referido fato; o juiz determina ao réu a exibição dos cartões de ponto e este não atende, invertendo-se o ônus da prova com base na Súmula 338 do TST[12].

Por isso não se mostra desarrazoada a regra do art. 852-D da CLT, que trata do procedimento sumaríssimo, no qual o juiz tem ampla liberdade para determinar as provas que serão produzidas, "considerando o ônus probatório de cada litigante". Assim, o poder inquisitivo do juiz é quase absoluto na busca da verdade real, como já dispunha o art. 765 da CLT, mas encontra barreira nas regras de distribuição do ônus da prova, porque do contrário haveria perigosa violação do devido processo legal.

Pode, no entanto, presentes as hipóteses que autorizem, o juiz inverter o ônus da prova, considerando, sobretudo, a hipossuficiência de um e a aptidão para a prova do outro, o que será verificado oportunamente.



[1] Manoel Antonio Teixeira Filho, Op. cit. (A prova...), p. 71.
[2] Quem disserta com maestria sobre os fatos que dependem de prova é o mestre Moacyr Amaral Santos, na obra Primeiras linhas de direito processual civil. 2º vol., 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 1990, p. 333-342.
[3] Op. cit., p. 104-105.
[4] Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, Tradução do original italiano por Paolo Capitanio, com anotações do Prof. Enrico Tullio Liebman; Campinas, Bookseller, 1998, p. 447-449.
[5] Idem, p. 450-452.
[6] Op. cit., p. 347.
[7] Op. cit., p. 447. Chiovenda leciona mais à frente (p. 449) que os fatos negativos podem sim ser provados, não se exigindo prova apenas da simples negação dos fatos, como estamos a sustentar.
[8] A máxima, citada por todos os doutrinadores e presente na boa jurisprudência, é de Nicola Framarino dei Malatesta (A lógica das provas em matéria criminal). Para Malatesta este se trata de um princípio ontológico em matéria de prova: o ordinário se presume, o extraordinário se prova. Insuperável essa máxima. Apud Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 92-93.
[9] Por isso mesmo que não precisamos ficar criando situações de inversão do ônus da prova, como defendem bons juízes e doutrinadores, bastando que atentemos para a natureza jurídica dos fatos controvertidos, porque em boa parte dos casos será do réu o ônus de provar o fato contraposto, por ser extraordinário.
[10] Chiovenda, Carnelutti, para os quais as regras de distribuição do ônus da prova devem ser aplicadas ainda na colheita das provas.
[11] Gian Antonio de Micheli, para quem as regras de distribuição do ônus da prova somente serão levadas em consideração pelo juiz se, faltando prova ou não sendo ela suficiente à sua convicção, tiver de decidir, para se evitar o non liquet (art. 126 do CPC). Apud Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 107. Adotam o mesmo pensamento Barbosa Moreira, Dinamarco, Kazuo Watanabe, Nelson Nery, Carlos Alberto Reis de Paula.
[12] De se anotar a péssima redação que foi dada a esta Súmula na revisão geral levada a efeito pelo TST, dando a entender que o empregador tem a obrigação legal de exibir os controles de jornada em juízo, primeiro, porque o art. 74, § 2º, da CLT não é norma de processo; segundo, porque se trata de ônus da prova e não de obrigação da prova, conforme reiteradamente disposto neste trabalho.