domingo, 10 de novembro de 2013

O ônus da prova e sua inversão no processo do trabalho. Parte Final




                 O ÔNUS DA PROVA E SUA INVERSÃO 
                       NO PROCESSO DO TRABALHO



                                                             PARTE FINAL



4.2. Princípio da aptidão para a prova.



Chegamos à inegável conclusão, destarte, de que  o único princípio, dentre todos os mencionados pelos processualistas já referidos, aplicável para se ter a inversão do ônus, é o da aptidão para a prova.


"Significa esse princípio que a prova deverá ser produzida por aquela parte que a detém ou que tem acesso à mesma, sendo inacessível à parte contrária. Consequentemente, é a que se apresenta como apta a produzi-la judicialmente"[1]. Assim, se o ônus da prova é do autor, mas ele, por causa de sua hipossuficiência econômica, técnica, de informações ou de educação, não tem como produzi-la, ou se encontra em situação de extrema dificuldade para tanto, pode o juiz cometer o ônus da prova ao réu, que terá, então, de provar o fato contrário ao afirmado pelo autor. Exemplo: o autor alega que não fez as ligações telefônicas para o exterior, cujo valor é muito mais elevado do que o das contas que vinha pagando, podendo o juiz determinar que a companhia telefônica produza a prova de que ele fez tais ligações.

Já Carnelutti dizia que, levando-se em conta o escopo do processo, é preciso verificar a "conveniência de atribuir a prova à parte que esteja mais provavelmente em situação de dá-la, e assim com base numa regra de experiência, a qual estabelece qual das duas partes esteja em condições melhores para fornecer a prova do fato", concluindo que "Unicamente assim o ônus da prova constitui um instrumento para alcançar o escopo do processo, que é, não a simples composição, mas a justa composição da lide"[2]. Então, tendo uma das partes o ônus da prova, mas a outra muito maior facilidade de demonstrar o fato contrário, pode o juiz inverter o ônus.

Exemplo perfeito é o dado por César Machado[3]: numa ação trabalhista aforada por um professor da rede particular de ensino em face de sua ex-empregadora, uma escola de curso pré-vestibular, em que se discutia sobre o número de alunos em cada sala onde eram ministradas aulas por aquele, fato cuja prova era necessária para que se deferisse o adicional proporcional à quantidade de alunos, houve a inversão do ônus da prova.

Acertada a decisão do culto magistrado porque era a empresa quem detinha toda a documentação referente aos alunos matriculados, como diários de classe, recibos de pagamento de mensalidades, tendo, portanto, muito maior aptidão para a prova do que o autor, que dificilmente, podendo ouvir apenas três testemunhas, teria como provar suas alegações[4].


4.3. Momento da inversão.

Resta investigar e definir, para a conclusão de nosso estudo, o momento em que se deve dar a inversão do  ônus da prova.

Kazuo Watanabe sustenta que as regras de distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, a orientar o juiz quando não houver prova do fato ou a prova for "dividida", razão pela qual "somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, caberá ao juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de "non liquet", sendo caso ou não, conseqüentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível"[5]. Assim também pensam Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco.

Contudo, data maxima venia, a se pensar dessa forma se estará violando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e, em última análise, o devido processo legal, já que a parte, diga-se o réu, será pega de surpresa quando receber a sentença e verificar que não se desincumbiu de um ônus que nem sequer pensava ter. Ora, se somente na consciência do julgador se verificou necessária a inversão do ônus da prova, por ocasião do julgamento da causa, como poderia disso saber o réu? Como poderia antever que o juiz consideraria que tinha maior aptidão para a prova, se em momento algum do trâmite processual a matéria lhe foi revelada?

Pensamos, pois, estar corretíssima Sandra Aparecida Sá dos Santos, quando assevera que "O fator surpresa não pode existir no processo, seja qual for a natureza do objeto, bem como no que concerne ao reconhecimento do direito, porque processo e surpresa são incompatíveis entre si". E completa que, a se pensar que as regras de ônus da prova são exclusivamente técnicas de decidir, estar-se-á comprometendo "por completo a defesa do demandado, que antes do julgamento não teria o ônus processual da produção da prova, porque, até então, seriam aplicadas as regras gerais do processo"[6]. César Pereira também defende que o momento propício para a inversão do  ônus da prova é o início da audiência de instrução e julgamento, em que o juiz deve fixar os pontos controvertidos e o ônus processual de cada parte, com base nos arts. 765 e 852-D da CLT[7]. Somente dessa forma as partes terão segurança quanto ao procedimento de que se vale o juiz para a busca da verdade real.

O mesmo pensamento tem Carlos Roberto Barbosa Moreira, segundo o qual a tese de que a inversão se deve dar quando do julgamento ofende manifestamente os princípios do contraditório e da ampla defesa, porque "ao mesmo tempo em que estivesse invertendo o ônus da prova, o juiz já estaria julgando, sem dar ao fornecedor a chance de apresentar novos elementos de convicção, com os quais pudesse cumprir aquele encargo. Não seria demais recordar, ainda uma vez, que a facilidade da norma que prevê a inversão é a de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, e não a de assegurar-lhe a vitória, ao preço elevado do sacrifício do direito de defesa, que ao fornecedor se deve proporcionar"[8].

Por isso o momento em que se deve dar a inversão do ônus da prova é o da fixação dos pontos controvertidos para a produção da prova, mormente a oral, ou seja, na audiência, tanto no procedimento ordinário quanto no sumaríssimo, tendo em vista que não temos despacho saneador no processo do trabalho.


5. Conclusão.

Em breve síntese, podemos concluir que:

1º) antes de se investigar de quem é o ônus da prova, tem-se que analisar a possibilidade de o fato alegado ser notório, confessado, incontroverso ou se em seu favor milita presunção legal ou jurídica de existência ou veracidade, e ainda se quanto a ele existe máxima de experiência, casos em que dele não se exigirá prova;

2º) havendo fato controvertido, relevante e pertinente que dependa de prova, exsurge o problema de se verificar de qual das partes é o ônus da prova, quando então se terá de averiguar a natureza dos fatos controvertidos, porque ao autor caberá a prova do fato aquisitivo do seu direito, quando negada a existência desse fato; ao réu a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, porque o fato constitutivo foi reconhecido, apenas se lhe negando os efeitos jurídicos; e, diante de fatos contrapostos, temos de aplicar o princípio ontológico de Malatesta: o ordinário se presume, o extraordinário se prova, para definir de quem é o ônus de provar;

3º) pode, no entanto, o juiz inverter o ônus da prova, com base na hipossuficiência do autor ou no princípio da aptidão para a prova, desde que o faça quando da fixação dos pontos controvertidos, para não macular os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e, em última instância, o devido processo legal.

 



Bibliografia


CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 20ª ed. atual. e ampl., São Paulo, Saraiva, 1995.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II, Trad. do original italiano por Paolo Capitanio, com anotações do Prof. Enrico Tullio Liebman, Campinas (SP), Bookseller, 1998.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Ônus de contestar e o efeito da revelia. Revista de Processo, vol. 11, nº 41, jan/mar 1986.
GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho. 9ª ed., São Paulo, LTr, 1995.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Teoria Geral do Processo. 10ª ed. rev. e atual., São Paulo, Malheiros Editores, 1994.
MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no processo do trabalho. 3ª ed. rev. e atual., São Paulo, LTr, 2001.
PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo, LTr, 2001.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 2º vol., 13ª ed., São Paulo, Saraiva, 1990.
SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova: como garantia constitucional do devido processo legal. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002.
SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. Questões relevantes do procedimento sumaríssimo: 100 perguntas e respostas. São Paulo, LTr, 2000.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 5ª ed. rev. e ampl., 4ª tiragem, São Paulo, LTr, 1993.
__________. Curso de processo do trabalho: perguntas e respostas sobre assuntos polêmicos em opúsculos específicos, nº 6: provas. São Paulo, LTr, 1997.
VIANA, Márcio Túlio. Critérios para a  inversão do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo, Revista LTr, ano 58, nº 10, out. 1994.






 










[1] Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 139.
[2] Apud Márcio Túlio Viana, artigo citado, p. 1223.
[3] Op. cit., p. 147.
[4] Podemos dar ainda o seguinte exemplo: o motorista que se ativa em longas viagens, por vezes saindo num dia e retornando apenas no outro, dificilmente terá como provar a alegada sobrejornada. Tem, pois, o empregador muito maior aptidão para demonstrar o contrário, inclusive porque detém os discos de tacógrafo, nos quais constam os horários de funcionamento do veículo que era dirigido pelo autor.
[5] Apud Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 153.
[6] A inversão do ônus da prova: como garantia constitucional do devido processo legal. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 82.
[7] Op. cit., p. 156-157.
[8] Apud Sandra Aparecida Sá dos Santos, op. cit., p. 84.

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