segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Relação de Emprego de Advogado


 Meus caros, muito me intriga a utilização exacerbada da expressão "colaborador" para os prestadores de serviços, em todas as atividades econômicas, mas também no âmbito da advocacia.
    Há casos em que se verifica a plena autonomia do "colaborador", que poderia ser assim intitulado. No entanto, há casos em que o "colaborador" não passa de um autêntico empregado, estando presentes todos os requisitos de uma relação empregatícia.
    Recentemente apreciei uma causa de um advogado que postulava reconhecimento de vínculo de emprego e este se tornou patente. Há recurso interposto, mas segue a fundamentação da sentença para a apreciação de vocês e análise crítica.
    Abs. e boa semana.





RELAÇÃO DE EMPREGO


 O autor postula a declaração da nulidade do contrato de associação firmado com a ré na qualidade de sócio, com o consequente reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes.

De se destacar que a controvérsia dos autos consiste em que, na visão do autor, houve fraude a seus direitos trabalhistas porque, para prestar serviços à ré, ele foi contratado para integrar o quadro societário desta, tão somente para mascarar a relação de emprego existente entre as partes, até porque inexistiu entre estas o propósito associativo (affectio societatis).

A ré se defende, asseverando que o autor firmou, por sua livre e espontânea vontade, contrato de natureza civil de prestação de serviços de advocacia (contrato de associação), não havendo falar em qualquer relação de emprego entre as partes embatentes, até porque não houve subordinação jurídica nas atividades exercidas por ele, pois o autor tinha plena liberdade para atuar em casos particulares e não havia controle de jornada.

Pois bem, para o reconhecimento da existência da relação de emprego faz-se necessária a presença concomitante de todos os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, de modo que a ausência de um descaracteriza o seu reconhecimento.



Nesses termos, se caracterizada a autêntica prestação de serviços como autônomo, não há falar em relação de emprego e, por via de consequência, em quaisquer dos direitos trabalhistas postulados.

Tendo a ré alegado um fato impeditivo dos direitos postulados pelo autor, o onus probandi compete a ela (art. 818 da CLT; art. 333, inciso II, do CPC).

Passando à análise do conjunto probatório dos autos, entendo que a ré não se desincumbiu satisfatoriamente de seu ônus de comprovar o fato impeditivo alegado contra a pretensão do autor, ou seja, a existência de relação de trabalho autônomo mediante contrato associativo de advogado. Ao contrário, tenho que restou caracterizada a autêntica relação de emprego.

Conforme o depoimento prestado pela testemunha do autor, este cumpria jornada fixa, das 9h às 18h, de segunda a sexta-feira, com uma hora de intervalo intrajornada, sendo que, mesmo quando não houvesse serviço, ele tinha que permanecer no escritório no referido horário. Disse, ainda, que o autor fazia uso de veículo próprio nas viagens realizadas e que a ré pagava as despesas com base na quilometragem percorrida (itens 2, 9, 10, 11 e 15 – fls. 319/320 – grifo meu).

A primeira testemunha da ré disse que não participou da contratação do autor, não sabendo, ao certo, o que ficou combinado entre eles. Mais adiante, informou que tinham que acessar o sistema informatizado da ré para verificar os serviços que tinham que cumprir, como ir aos fóruns, peticionar, buscar veículos, já que a ré trabalha com busca e apreensão de veículos. Afirmou que, depois de um tempo, passou a dar treinamento em filiais, quando, então, recebia remuneração fixa. Disse que o autor recebia um valor fixo e mais o pagamento das metas, não sabendo elucidar quais eram os valores. Não soube esclarecer se o autor podia ter clientes particulares, sendo que a testemunha não os tinha, em virtude do volume de serviço. Disse que não recebia participação em honorários, acreditando que o mesmo ocorria com o autor (fls. 320/321 – grifei).

Demais, o depoimento prestado pela segunda testemunha da ré, além de não ter feito qualquer informação relevante, revelou-se extremamente inseguro, já que nem se recordava dos meses de sua admissão e saída da ré. Referido depoimento, portanto, não bastou para fins de formação do convencimento judicial quanto à matéria sob análise.

Ora, diante do conjunto probatório produzido nos autos, restou demonstrado que o autor cumpria jornada fixa, permanecendo à disposição da ré em seu escritório ainda quando não mais houvesse serviço, e que não recebia participação nos lucros e resultados da sociedade, pois recebia valor mensal fixo (conforme recibos de pagamento de fls. 36/76, cujos valores tinham variação mensal mínima de R$ 10,00 a R$ 15,00), além de eventuais ressarcimentos de despesas ou quilômetros rodados decorrentes de deslocamentos em trabalho.

Demais, restou comprovado que, além da remuneração fixa, o autor recebia conforme o cumprimento de metas. Ora, o fato de os associados terem metas a cumprir, no caso concreto, é uma relevante característica da subordinação jurídica, por se tratar de exigência de trabalho, rendimento e produção.

Por fim, de se destacar que os serviços prestados pelo autor se relacionavam à atividade-fim da ré – escritório de advocacia – bem como havia a necessidade permanente do trabalho do autor, o que se comprova pelo lapso temporal da relação estabelecida entre as partes (de 11-8-2008 - data da assinatura do contrato de associação – até 29-2-2012 – quando foi rescindido o ajuste inicialmente firmado). Verifica-se, portanto, a presença do elemento subordinação, em sua forma estrutural.

A ilação, portanto, é a de que a prestação dos serviços pelo autor não foi efetivada na condição de advogado associado, tal qual previsto no art. 39 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Declaro, pois, a nulidade do contrato de associação firmado entre as partes e, por via de consequência, a existência de vínculo empregatício entre o autor e a ré no período compreendido entre 11-8-2008 e 29-2-2012.

E sendo a continuidade da relação de emprego um princípio que milita em favor do empregado, tenho que o autor foi dispensado imotivadamente pela ré em 29-2-2012.


No mais, acolho, como primeiro e último salários recebidos pelo autor, as quantias informadas na prefacial, ou seja, os importes de R$ 771,27 e de R$ 1.585,09, respectivamente.

Determino, de ofício, que a ré proceda à anotação do contrato de emprego na CTPS do autor, com os seguintes dados: admissão em 11-8-2008 e dispensa em 29-2-2012; função de advogado; e salário inicial de                 R$ 771,27, com evolução salarial conforme recibos acostados juntamente com a prefacial. Tudo no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da sentença, a contar da intimação para tanto, sob pena de imposição coercitiva.

E deverá, ainda, providenciar os recolhimentos previdenciários do período contratual.

Outrossim, procede o pedido de pagamento de diferenças salariais com finco nas normas coletivas trazidas juntamente com a prefacial, pois a ré, em sua defesa, muito embora tenha alegado que esteja vinculada ao “SEAAC DE ARARAQUARA E REGIÃO” (fl. 173), sequer trouxe aos autos os instrumentos coletivos equivalentes a fim amparar referida alegação defensiva.

Sendo assim, condeno a ré ao pagamento das diferenças salariais de todo o período contratual, entre os valores mensais percebidos pelo autor e o piso mínimo assegurado no item “d” da cláusula terceira dos instrumentos coletivos de fls. 135/162, considerando-se, para tanto, o período de inscrição do autor no quadro dos advogados da OAB (desde 9-5-2003 – fl. 163). 

Procedem, no mais, os pedidos de pagamento das seguintes verbas:
a)      aviso prévio indenizado de trinta dias, devendo ser amortizada a quantia percebida no mês de março de 2012 (fl. 76);
b) décimo terceiro salário proporcional de 2008 (5/12), integral dos anos de 2009, 2010 e 2011 e proporcional de 2012 (3/12, considerada a projeção do aviso prévio indenizado);
c) férias vencidas dos períodos aquisitivos de 2008/2009, 2009/2010 (em dobro), 2010/2011 (forma simples) e proporcionais do período aquisitivo de 2011/2012 (7/12, considerada a projeção do aviso prévio indenizado) indenizadas, mais o terço constitucional;
d) FGTS de todo período contratual, inclusive sobre as verbas aqui deferidas, nas quais incide, mais multa de 40%;
e) multa do art. 477, § 8º, da CLT.

O pagamento dos valores devidos a título de FGTS atinentes a todo o período contratual far-se-á diretamente ao autor, o que torna desnecessária a entrega do TRCT para fins de soerguimento daqueles.

A ré deverá, ainda, fornecer ao autor, no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da sentença, a contar da intimação para tanto, o comunicado de dispensa (CD/SD), apenas para requerimento do seguro-desemprego, sob pena de execução direta pelo valor equivalente, o que ocorrerá inclusive se ultrapassado o prazo legal para encaminhamento do Requerimento do Seguro-desemprego e o benefício não for pago.

O valor da indenização do seguro-desemprego, se for o caso, será calculado conforme previsão contida no art. 2º da Lei nº 8.900, de 30-6-94, e nos artigos correspondentes da Resolução do CODEFAT, em vigor quando da dispensa imotivada.

Diante da controvérsia instalada, não há falar em multa do art. 467 da CLT.

Oficie-se, após o trânsito em julgado, ao Ministério Público do Trabalho, à Receita Federal do Brasil e à Gerência Regional do Trabalho enviando-se-lhes cópia desta sentença e da ata de audiência de fls. 319/323, para que tomem as providências que entenderem cabíveis.

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