O ÔNUS DA PROVA E SUA INVERSÃO
NO PROCESSO DO TRABALHO
3.6. Ônus objetivo e ônus subjetivo.
Embora tenhamos
como conveniente que o juiz, sempre que possível ou necessário, defina de quem
é o ônus da prova quando da instrução processual, não podemos olvidar que, se
no momento de proferir a sentença, ele verificar que a prova foi produzida pela
outra parte e não pela que tinha a incumbência de fazê-lo, a tomará em conta e
terá o fato como provado.
Por isso se fala em ônus subjetivo e
ônus objetivo na doutrina. Ora, quando as partes comparecem a juízo alegam
fatos diversos e por vezes contraditórios, sendo elas próprias as maiores
interessadas em que o juiz se convença da veracidade dos fatos que afirmaram.
Aí o ônus subjetivo, segundo o qual a parte pode se valer de todos os meios
lícitos permitidos para convencer o juiz de que o fato ocorreu, para obter as
conseqüências jurídicas dele previstas.
Entrementes, para o julgador não importa
quem produziu a prova do fato, bastando que o encontre provado. Por óbvio, se o
ônus era de uma parte e a outra acabou, inadvertidamente, demonstrando o fato
que não tinha de provar, essa situação proporcionará ao juiz ainda mais
certeza.
E se porventura não houver prova dos
fatos alegados ou se a prova se encontrar "dividida", o juiz terá de
se valer das regras do ônus da prova, para decidir em desfavor daquele que
tinha a incumbência de demonstrar o fato afirmado, ou seja, contrariamente aos
interesses da parte que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu.
Tem-se, aqui, o chamado ônus objetivo[1].
4. A inversão do
ônus da prova.
Muito se comenta no processo do trabalho
sobre a inversão do ônus da prova. Pensamos, maxima venia, que vários equívocos têm sido cometidos, no entanto.
O primeiro deles é considerar, na
prática, como de inversão do ônus casos de autêntica definição. Se o autor
alega que foi empregado porque prestou serviços pessoalmente ao réu, de forma
habitual e mediante remuneração, e este, reconhecendo esse plexo de fatos,
argúi que o autor era, entretanto, autônomo, ou eventual, cabe ao réu a prova
da exceção. Portanto, não há falar em inversão do ônus da prova nesse caso. O
mesmo raciocínio se aplica para os casos de alegação de falta grave ou justa
causa, que também se trata de fato impeditivo do direito do autor, neste caso
ao recebimento de suas verbas resilitórias.
Também quando o juiz determina a
exibição de documentos probatórios de pagamento não está invertendo o ônus da
prova, porque pagamento é fato extintivo do direito, sendo do réu o ônus da
prova correspondente.
Destarte, a inversão se dá apenas
quando, pelas regras já vistas, o ônus compete a uma das partes e o juiz,
motivadamente, transfere-o à outra parte. O exemplo clássico está retratado na
Súmula 338 do TST, em sua redação original, segundo a qual se a empresa não
cumpre a determinação de exibição dos controles de horário (art. 74, § 2º, da
CLT), tem-se como verdadeiros os horários descritos na exordial, que podem, no
entanto, ser elididos por prova em contrário.
Vê-se, pois, que o ônus da prova da
sobrejornada é do autor, porque se trata de fato extraordinário. Se ele escolhe
como meio de prova os documentos que se acham em poder do empregador,
determinará o juiz a sua exibição. Não cumprida a determinação, aplicam-se as
cominações do art. 359 do CPC, ou seja, tem-se como provada a sobrejornada,
exceto se a recusa se fundar no fato de não ter o empregador mais de dez
empregados, fato que deve ser provado pelo réu. Mas, se o réu requerer a
inversão do ônus da prova, desde que tenha afirmado horário de trabalho na
defesa, poderá o juiz isso deferir, caso em que se terá como invertido o ônus
da prova.
Difere esse caso dos anteriores porque
naqueles o ônus da prova, desde o início, era do réu. No último exemplo não, o
ônus passou a ser do réu somente após o descumprimento da ordem judicial.
Ainda no estudo dos equívocos temos a
consideração de princípios autorizadores da inversão do ônus da prova no
processo do trabalho. Márcio Túlio Viana elenca os seguintes: a) princípio in dubio pro misero; b) máximas de
experiência; c) princípio da
aptidão para a prova; d) regras de preconstituição da prova; e) princípios do
direito material do trabalho[2].
O Ministro Carlos Alberto Reis de Paula trata dos princípios: a) da aptidão
para a prova; b) in dubio, pro operario;
c) da preconstituição da prova[3].
Sobre o equívoco de se considerar as
presunções e as máximas de experiência até mesmo como regras para a definição
do ônus da prova já discorremos anteriormente. Os princípios específicos de
direito do trabalho, especialmente o da proteção, com a regra in dubio pro operario, pode ser
utilizado somente quando houver séria dúvida sobre a definição de quem é o ônus
da prova no caso concreto, jamais podendo ser utilizado no campo da valoração
da prova. Outros princípios, como o da continuidade da relação de emprego,
podem ser utilizados no campo das presunções, num momento anterior ao da
definição do ônus e, por óbvio, nunca no de se inverter esse ônus.
Quanto ao princípio da preconstituição
da prova, não se trata de princípio, porque se refere à prova preconstituída,
que é sempre documental. Referida prova pode ser instituída por determinação
legal ou por conveniência das partes, sobretudo porque se destina a perpetuar o
fato nela noticiado, para que dele não se tenha dúvida no futuro,
extrajudicialmente ou em processo judicial.
É certo que o empregador tem diversas
obrigações de documentar atos da relação de emprego, que é de duração (ou de
trato sucessivo), citando-se, como exemplos: anotação da CTPS, registro do
empregado, controle de horário de trabalho quando tiver mais de dez empregados,
concessão e pagamento das férias, pagamento do salário etc. Mas, onde está a
obrigação legal de exibir tais documentos em juízo? Ao se pensar que, pelo fato
de o direito material exigir a documentação dos atos da relação de emprego,
estará o empregador obrigado a trazer tais documentos ao processo, estar-se-á
admitindo que o ônus da prova se trata, em verdade, de uma obrigação ou de um
dever legal. Ninguém está obrigado a, espontaneamente, produzir prova contra
si.
Agora, se houver determinação judicial
de exibição, aí sim terá o empregador o dever de cumprir, salvo justo motivo, o
que dificilmente se configurará quando ele tiver a obrigação legal de ter o
documento. Esse raciocínio não macula o princípio do contraditório e da ampla
defesa e deságua na mesma consequência querida pelos defensores da tese contrária
à nossa: a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, quando do
descumprimento da determinação judicial de exibição dos documentos. E não fere
também o princípio dispositivo, porque se o autor não requereu a exibição do
documento é porque tinha melhor meio de prova ou já sabia de antemão que o
documento não retratava a realidade ocorrida no curso da relação de emprego.
4.1.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Costuma-se
colocar ainda que as presunções e as máximas de experiência são hoje utilizadas
até mesmo no processo comum, para a facilitação da defesa dos direitos do
consumidor, autorizando, inclusive, a inversão do ônus da prova, em seu favor[4].
Mas, numa leitura atenta do dispositivo legal, verifica-se que os critérios
autorizadores da inversão do ônus da prova são a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor. As
regras de experiência são a fonte da qual deve se socorrer o juiz para
verificar a presença dos tais requisitos.
O Ministro
Carlos Alberto Reis de Paula, em sua valiosíssima obra, deixou evidenciado que
as situações permissivas da inversão do ônus da prova são as já citadas
verossimilhança e hipossuficiência[5].
E cita Kazuo Watanabe, para quem na primeira hipótese não há, em verdade,
inversão do ônus da prova. Correto tal pensamento, porque, como já vimos, as
máximas de experiência levam à conclusão de que o fato é verossímil e,
portanto, tem-se-o como provado. Se se alega fato contrário ao parecido com a
verdade, de quem o faz é o ônus da prova, não se podendo falar em inversão do
referido ônus.
Na segunda
hipótese pode sim ocorrer a inversão do onus
probandi. E a hipossuficiência pode ser técnica, de informações, de
educação, não necessariamente econômica. O mestre paulista, um dos autores do
anteprojeto que resultou na mais avançada lei brasileira, exemplifica que, num
conflito de interesses entre dado consumidor e a montadora de veículos, acerca
de vício de fabricação, "se o consumidor é pessoa dotada de situação
econômica capaz de suportar os custos da demanda, a interpretação restritiva da
hipossuficiência acima mencionada obrigaria o consumidor a assumir o ônus da
prova", não tendo sido, no entanto, esta a vontade do legislador.
"Numa relação de consumo como a mencionada, a situação do fabricante é de
evidente vantagem, pois somente ele tem pleno conhecimento do projeto, da
técnica e do processo utilizado na fabricação do veículo, e por isso está em
melhores condições de demonstrar a inocorrência do vício de fabricação".
Conclui o doutrinador que, "ocorrendo, assim, situação de manifesta
posição de superioridade do fornecedor em relação ao consumidor, de que decorra
a conclusão de que é muito mais fácil ao fornecedor provar a sua alegação,
poderá o juiz proceder à inversão do ônus da prova"[6].
Vê-se, portanto, que o critério está intrinsecamente ligado ao princípio da
aptidão para a prova, do qual trataremos em seguida.
Apenas para
finalizar este tópico, nem se pode questionar sobre a aplicabilidade do
indigitado dispositivo legal no processo do trabalho, dada a lacuna,
injustificável, diga-se de passagem, da nossa Consolidação, bem como a notória
compatibilidade com os princípios juslaborais[7].
[1] Fala-se por isso no princípio da
aquisição, sendo para o juiz importante encontrar o fato provado, não
importando quem produziu a prova. Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco. Teoria Geral do Processo. 10ª ed. rev. e
atual., São Paulo, Malheiros Editores, 1994, p. 350.
[2] Critérios para a inversão do ônus da prova no processo do trabalho. São
Paulo, Revista LTr, ano 58, nº 10, out. 1994, p. 1218-1224.
[3] Op. cit., p. 139-148.
[4] Márcio Túlio Viana, op. cit., p. 1223. A regra, como se
sabe, é a do art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90, conhecida como Código de
Proteção e Defesa do Consumidor.
[5] Op. cit., p. 150.
[6] Apud Carlos Alberto Reis de Paula, op. cit., p. 150-151.
[7] São os conhecidos requisitos do
art. 769 da CLT, para a aplicação subsidiária de dispositivos do processo
comum.
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