terça-feira, 22 de outubro de 2013

As tutelas de urgência como garantia da jurisdição e de inclusão social - Parte 3

*Este artigo foi publicado na Revista LTr, em fevereiro de 2006, p. 163-179, bem como em outras revistas especializadas.



AS TUTELAS DE URGÊNCIA COMO GARANTIA DA JURISDIÇÃO E DE INCLUSÃO SOCIAL – TUTELA CAUTELAR, ANTECIPATÓRIA E MANDAMENTAL


PARTE 3





6.6. Procedimento

a) ação cautelar

O processo cautelar tem rito próprio (Livro III do CPC). Na Justiça do Trabalho, na prática, se tem adotado um procedimento híbrido, mesclando-se regras da CLT e do CPC. Mas o procedimento correto, por não se tratar de uma ação trabalhista típica, é o do Código de Processo Civil (arts. 800 a 804 do CPC). Na ação cautelar se reclama uma medida de urgência. O juiz, então, não pode designar audiência para somente nesta apreciar o pedido de liminar. Atentando para a natureza da medida, o juiz deve analisar o pedido, deferir ou não a medida liminar, determinar a sua efetivação em caso de deferimento e que após seja citado o réu para apresentar contestação em secretaria, no prazo de cinco dias. Se houver necessidade de produção de provas, aí sim designará audiência, com a maior brevidade possível, “encaixando” o processo em pauta, porque se trata de medida de urgência. E, tão logo possa, deve decidir o mérito da ação cautelar. De sorte que não se mostra correto o juiz deixar a cautelar para ser julgada juntamente com o processo principal, nem no processo civil nem no processo do trabalho.

b) tutela antecipada

A tutela antecipada não tem procedimento próprio porque é requerida no curso de uma ação. Havendo requerimento de tutela antecipada, o juiz pode analisar e conceder a tutela inaudita altera parte ou preservar o contraditório, citando o réu[1] e o intimando para se manifestar no prazo de cinco dias, para depois decidir pela concessão ou não da tutela antecipada. Então, a antecipação de tutela se dá no curso normal do procedimento, porque se trata de decisão interlocutória. E a tutela antecipada pode ser requerida a qualquer tempo, como se verá mais adiante.

c) mandado de segurança

O mandado de segurança também tem um rito próprio, que é especial[2]. O rito da ação de segurança é o da Lei nº 1.533/51 (arts. 6º a 12), aplicando-se o CPC nas suas lacunas. O juiz concede ou não a liminar, notifica a autoridade coatora para prestar informações no prazo de dez dias (art. 1º da Lei nº 4.348/64) e determina a citação do litisconsorte necessário, que é o beneficiário do ato, este para contestar no prazo de dez dias. Havendo ou não esclarecimentos e contestação, dá-se vista ao Ministério Público pelo prazo de cinco dias[3] e o juiz decide nos cinco dias seguintes, nos termos dos arts. 7º, 10 e 19 da citada lei.

Uma questão importante: as informações da autoridade coatora são pessoais? Imaginem-se as seguintes situações: a autoridade coatora foi transferida, por exemplo, o Delegado Regional do Trabalho que praticou o ato; o juiz era um substituto que depois do ato foi designado para outra vara ou comarca; o juiz titular se removeu ou foi promovido para o tribunal. Diante dessas situações temos que não pode restar dúvidas quanto a não serem as informações pessoais[4]. Portanto, as informações devem ser prestadas pelo órgão: DRT, vara. Ou melhor, as informações têm de ser prestadas pelo juízo em se tratando de ato judicial ou pelo órgão em se tratando de ato administrativo.

Outra questão: há revelia se as informações não são prestadas? Há, pois revelia é a falta de contestação[5]. O que não se tem são os efeitos da revelia porque a matéria é exclusivamente de direito, de um direito líquido e certo. Como a prova deste é documental e pré-constituída, não há falar em efeitos da revelia (presunção de veracidade dos fatos afirmados)[6], embora o juízo ou a autoridade coatora que não presta informações seja revel[7]. Se não prestadas as informações pela autoridade até o décimo dia contado de sua notificação, preclusa estará a sua oportunidade de influir no convencimento do juiz que irá julgar o mandando de segurança. Então, somente não se poderá falar nos efeitos da revelia, já que o juiz terá de verificar a existência ou não de direito líquido e certo, que pode não existir ou não estar provado de plano, a despeito da falta de informações. Há ainda a possibilidade de revelia do litisconsorte necessário (o beneficiário do ato), cuja citação é obrigatória (art. 19 da Lei nº 1.533/51, c/c o art. 47 e parágrafo único do CPC)[8], mas desse fato também não decorre a confissão ficta, pelos motivos já expostos.


6.7. Liminar

a) ação cautelar

Primeiramente, precisamos ter uma noção clara do que é o instituto da liminar. Toda vez que estamos a estudar um instituto temos de saber do que se trata, qual a sua natureza jurídica. Pois bem, liminar é antecipação provisória do provimento final[9]. Na liminar de alimentos provisionais se antecipa a concessão dos alimentos e depois a sentença confirma essa decisão. Na liminar cautelar se preserva aquela situação de fato e depois a sentença a confirma. Também na liminar do mandado de segurança se determina que um ato seja desfeito ou a suspensão dos efeitos do ato ilegal ou abusivo, e depois a sentença a confirma, concedendo a segurança. Em toda e qualquer liminar há uma antecipação provisória do provimento final.

Destarte, na ação cautelar a liminar é concedida em cognição sumária, superficial, porque ela é tutela provisória que tem caráter temporário, que será substituída por uma medida definitiva, dada pela sentença cautelar, mas que também existirá somente enquanto durar o processo principal, a teor do art. 808, inciso III, do CPC. Findo o processo principal, não há mais falar em efeitos da ação cautelar. 

b) tutela antecipada

 A medida de tutela antecipada é satisfativa. Mas, embora se trate de antecipação dos efeitos da tutela de fundo, pensamos que não é simplesmente uma medida liminar[10]. A tutela antecipada pode ser concedida a qualquer tempo, até mesmo na fase recursal ou na fase executiva, enquanto a liminar, via de regra, é entregue no início da relação jurídico-processual, antes ou depois da citação do réu.

E, como vimos, a sua concessão se dá após cognição sumária, dado o seu caráter provisório, porque será confirmada por outra decisão ou revogada (art. 273, §§ 4º e 5º, do CPC)[11].

c) mandado de segurança

A liminar em mandado de segurança, assim como as liminares em ação de despejo, em ação possessória, é antecipação provisória do provimento final. É medida provisória, precária, dada em cognição sumária, mas sempre no início do procedimento, antes ou depois da citação.

Menciona o art. 7º, inciso II, da Lei nº 1.533/51 que o juiz pode conceder a liminar para suspender o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida somente a final. Por essa razão que a liminar em mandado de segurança tem natureza jurídica de tutela antecipada[12], porquanto presentes o perigo de demora e, conseqüentemente, a urgência da medida, a liminar será concedida para que o direito líquido e certo seja imediatamente satisfeito.


6.8. Momento processual

a) ação cautelar

A liminar na ação cautelar é concedida no início da relação jurídico-processual. Mas a ação cautelar pode ser ajuizada enquanto durar o processo principal, de acordo com o art. 808, inciso III, do CPC. Ela pode ser preparatória ou incidental, mas nessa hipótese enquanto tramitar o processo principal. A cautelar inominada pode ser utilizada na fase recursal para se obter efeito suspensivo em recurso interposto, que não tenha previsão legal desse efeito (OJ nº 51 da SDI-II do TST). Aqui ela tem função tipicamente cautelar porque não é satisfativa, visando apenas resguardar o resultado útil de outro processo, já que a obtenção do efeito suspensivo ao recurso tem como finalidade evitar que a lesão ao direito se efetive. Essa função tipicamente acautelatória pode ser buscada em todo e qualquer recurso, de natureza ordinária (apelação, recurso ordinário) ou extraordinária (recurso extraordinário, recurso especial, recurso de revista).

b) tutela antecipada

O momento processual para a concessão de tutela antecipada precisa ser identificado conforme a hipótese de cabimento, ou seja, de acordo com a espécie de tutela. Na hipótese do incido I do art. 273 do CPC (tutela de evidência), ela pode ser concedida desde o ajuizamento da ação, quando houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Mas nas hipóteses do inciso II e do § 6º do mesmo dispositivo só pode ser deferida depois da oportunidade de defesa. Não há como investigar manifesto propósito protelatório do réu, abuso do direito de defesa ou até incontrovérsia enquanto não fluir o prazo de resposta.

Mas a tutela antecipada é uma medida especial porque pode ser concedida em vários momentos depois do prazo de resposta do réu. O juiz verificando melhor ou até verificando pela primeira vez o requerimento de tutela antecipada na audiência em prosseguimento, e diante de prova inequívoca da situação de perigo e de verossimilhança da alegação, concede a tutela antecipada[13]. Ou na audiência em prosseguimento verifica que há incontrovérsia sobre os fatos e antecipa os efeitos da tutela[14]. Pode ocorrer ainda de na sentença ele verificar essa incontrovérsia, o perigo de dano ao direito e conceder, incidentalmente na sentença, a tutela antecipada. Isso porque a sentença é um título condenatório que depende ainda do trânsito em julgado, ao passo que aquela providência de tutela antecipada incidental (no bojo da sentença) se trata de um título executivo precário[15], mas exeqüível desde logo.

A tutela antecipada também pode ser deferida na fase recursal porque a situação de urgência não tem hora marcada para acontecer[16]. Se não há recurso interposto o juiz de primeira instância aprecia o requerimento. Em tendo sido interposto o recurso, a competência será do tribunal, conforme já expusemos, de tal forma que pode haver antecipação de tutela até mesmo no tribunal. E pode haver concessão de tutela antecipada até na fase de execução[17]. Destarte, a tutela antecipada pode ser concedida em qualquer momento processual[18], por se tratar de medida satisfativa.

c) mandado de segurança

Já em caso de mandado de segurança o momento processual é singular, pois há um prazo fatal, decadencial, de 120 dias para que a ação seja ajuizada. A partir de quando se conta esse prazo? A partir do momento em que o titular do direito líquido e certo teve ciência da sua violação (art. 18 da Lei nº 1.533/51)[19]. Na contagem desse prazo, como ocorre na contagem de prazo prescricional, exclui-se o dia do início e inclui-se o dia do vencimento. Mas, se esse vencimento se der em sábado, domingo ou feriado, não há prorrogação para o primeiro dia útil subseqüente[20], porquanto não se trata de prazo processual, por serem decadência e prescrição institutos de direito material.


6.9. Decisão de mérito

a) ação cautelar

Existe decisão de mérito em ação cautelar? Essa é uma grande discussão doutrinária. E tem como premissa a seguinte questão: há ou não há mérito na ação cautelar? Pensamos que sim. A cautelar tem mérito próprio, que é a situação de ameaça ao direito à produção da prova ou à pretensão assecuratória do patrimônio do réu para a futura execução. A pretensão de acautelar aquela situação de perigo é o mérito da ação cautelar[21]. E por isso mesmo o juiz não pode deixar para julgar a cautelar junto com a ação principal, na mesma sentença[22], até porque na ação cautelar se busca uma tutela de urgência.

Daí porque se nos afigura correta a posição doutrinária no sentido de que a ação cautelar tem mérito próprio, que é a situação de urgência que imprime uma necessidade de assegurar, de resguardar aquela situação de fato para a produção da prova ou para a futura execução. Esse é o mérito da cautelar, estampado na pretensão formulada. A pretensão é a de resguardar a situação de fato para preservar o resultado útil de outro processo. De modo que o perigo está mais ligado ao mérito da ação cautelar do que às condições da ação, na lição de Ovídio Baptista, exposta em nota anterior.

A cognição na decisão de mérito, na decisão de fundo da cautelar, é uma cognição aprofundada, em que o juiz aprofunda o exame da matéria, com investigação dos fatos após o contraditório, verificando as provas produzidas para decidir a pretensão assecuratória daquela situação de fato.

b) tutela antecipada

Em sede de tutela antecipada a decisão será sempre provisória, porque a decisão de mérito é a do próprio processo, dada na sentença. Se não há um processo próprio para a tutela antecipada, se ela é concedida no bojo de um processo, de rito comum ou especial, não há falar em decisão de mérito quando se trata de antecipação de tutela. Tanto que a medida será confirmada na sentença ou no acórdão, conforme o momento processual em que concedida.

c) mandado de segurança

Já no mandado de segurança, a cognição de fundo, a sentença do mandado de segurança se dá após uma cognição exauriente[23], em que o juiz examina e verifica se aquela prova documental é lícita e identifica um direito líquido e certo, ou seja, se há ou não o afirmado direito. A decisão é, portanto, de mérito. Direito líquido e certo, assim, não é condição da ação mandamental[24]. Se a pretensão dessa ação é resguardar ou proteger referido direito, este é intrínseco à própria pretensão, é o próprio mérito da ação de mandado de segurança.

Nessa cognição exauriente, se o juiz entende cabível a proteção ao direito, confirma a segurança dada em liminar (ou a concede pela primeira vez), para que a autoridade coatora abstenha-se de praticar determinado ato (mandado de segurança preventivo), para que desfaça um ato que já praticou ou para que sejam suspensos os efeitos do ato, enfim, para que seja cessada a ilegalidade ou o abuso de poder.


6.10. Recursos

a) ação cautelar

Em ação cautelar, da decisão sobre o pedido de liminar cabe agravo de instrumento no processo civil. No processo do trabalho não cabe nenhum recurso porque é decisão interlocutória (art. 893, § 1º, da CLT). Se a decisão ferir direito líquido e certo cabe mandado de segurança. Se houver tumulto processual, cabe correição parcial. Lembramos que mandado de segurança e correição parcial não são recursos. Tratando-se de ação cautelar de competência originária do TRT cabe agravo regimental.

Da sentença de mérito da ação cautelar cabe apelação no processo civil. No processo do trabalho recurso ordinário.

b) tutela antecipada

Contra a decisão que concede ou não tutela antecipada, no processo civil, cabe agravo de instrumento. No processo do trabalho nenhum recurso porque é decisão interlocutória. Mais uma vez, se a decisão ferir direito líquido e certo cabe mandado de segurança.

Se a tutela for concedida na sentença, Teori Albino entende que é cabível a interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória proferida incidentalmente no ato formal da sentença[25], ainda que o recurso adequado no caso seja a apelação, que também deve ser interposta. No processo do trabalho, veja-se a OJ nº 51 da SDI-II do TST.
c) mandado de segurança

No mandado de segurança, da decisão sobre o pedido de liminar, no processo civil cabe agravo de instrumento, como afirma Teori Albino[26]. No processo do trabalho não cabe recurso em primeira instância. Da decisão de fundo do mandado de segurança cabe apelação no processo civil e no processo do trabalho recurso ordinário. A diferença que existe em relação à ação cautelar é que na ação de segurança, da sentença que conceder o mandado deve haver remessa necessária – art. 12, parágrafo único, da Lei nº 1.533/51.

Uma nota importante é que, se o mandado de segurança for impetrado no tribunal, no processo do trabalho a decisão que conceder ou não a liminar é recorrível, sendo cabível agravo regimental[27], embora haja entendimento no sentido de que esse agravo não se trata de hipótese de recurso.


6.11. Coisa julgada

a) ação cautelar

Há coisa julgada na ação cautelar? Para os que entendem que há mérito cautelar, há coisa julgada material. A se entender o contrário, só há falar em coisa julgada formal na ação cautelar[28].

A doutrina identifica uma hipótese de coisa julgada material. O art. 810 do CPC disciplina que se o juiz pronuncia a decadência ou a prescrição já na ação cautelar, preparatória, portanto, não poderá o autor nem ajuizar a ação principal, porque aquela decisão adquire a qualidade de coisa julgada material.

Fora desse caso, a doutrina majoritária entende que só há coisa julgada formal na sentença cautelar. Mas Calmon de Passos afirma que também há coisa julgada material em outras situações da ação cautelar, como corrobora o quanto disposto no art. 808 e parágrafo único do CPC, segundo o qual cessa a eficácia da medida cautelar: 1º) se a parte não ajuizar a ação principal no prazo de 30 dias, contados da data da efetivação da medida (art. 806); 2º) se não for executada a medida no prazo de 30 dias; 3º) se o juiz declarar extinto o processo principal, com ou sem julgamento de mérito. Parágrafo único: se por qualquer motivo cessar a medida (esses três descritos ou qualquer outro), é defeso à parte repetir o pedido, salvo por novo fundamento. Calmon de Passos verifica aqui, pois, situação de coisa julgada material[29]. Então, em regra, a coisa julgada é formal em sede de ação cautelar, salvo nas hipóteses do art. 810 e do art. 808 e parágrafo único, ambos do CPC.

b) tutela antecipada

Nunca haverá coisa julgada em sede de tutela antecipada porque é decisão interlocutória e pode ser revogada a qualquer tempo (art. 273, § 4º, do CPC). A revogação tem eficácia ex tunc e o recurso interposto contra esta decisão não suspende os seus efeitos revocatórios (Súmula 405 do STF, por analogia).

c) mandado de segurança

Há coisa julgada material em mandado de segurança? Essa é uma das questões mais complexas e mais polêmicas de tudo quanto já escrevemos até agora.

Expressiva corrente doutrinária entende que direito líquido e certo é condição da ação e não mérito. Portanto, se o juiz decidir que não há direito líquido e certo ou que a liquidez e a certeza do direito não restaram comprovadas, não há decisão de mérito e essa decisão da ação mandamental não impede outra ação, nem mesmo outro mandado de segurança.

Pensamos que temos de fazer uma interpretação lógica e sistemática dos arts. 15 e 16 da lei do mandado de segurança para chegarmos a uma boa conclusão. O art. 15 disciplina: “a decisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”. Há até uma súmula do STF, de nº 304, no sentido de que decisão denegatória de mandado de segurança, que não faça coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria. Se o juiz, ao denegar a segurança na ação mandamental, não apreciou o mérito, sua decisão não impede a impetração de outro mandado de segurança nem mesmo a busca dos direitos do autor por meio de ação própria. O art. 16 nos parece mais elucidativo: “o pedido do mandado de segurança poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito”.

Da interpretação sistemática desses dispositivos, então, podemos concluir que só cabe outro mandado de segurança, ou até uma ação própria se o juiz não tiver decidido o mérito da ação mandamental. Se o juiz decidiu esse mérito, pelo menos em tese, não caberia nenhuma outra ação com a mesma finalidade.

A pergunta principal que não quer calar é a seguinte: quando é que o juiz decide o mérito da ação mandamental? Quando ele aprecia o direito líquido e certo e profere uma decisão de certeza sobre esse direito, afirmando que ele existe porque está comprovado de plano, ou que ele não existe[30]. Agora, se não há pronunciamento de mérito não há coisa julgada material, apenas coisa julgada formal, como ocorre quando o juiz decide que não há prova inequívoca do direito líquido e certo, ou seja, que não há prova material (documental), pré-constituída, do direito. Essa decisão não é de mérito, não adquirindo qualidade de coisa julgada material[31]. O autor pode impetrar até outro mandado de segurança com a mesma finalidade, desta feita com uma prova pré-constituída do seu afirmado direito. Ou pode ajuizar uma ação própria, porque não há decisão de mérito sobre aquela questão.

Com o devido respeito e acatamento, pensamos que a tese de que direito líquido e certo é condição da ação corresponde a retirar o mérito da ação mandamental[32]. Se a pretensão é de proteção ao direito líquido e certo é porque o tal direito se constitui no próprio mérito do mandado de segurança.

Demais, se o juiz extinguir o processo por carência da ação, sem julgamento de mérito, só há coisa julgada formal e, portanto, o autor pode impetrar outro mandado de segurança ou ajuizar ação própria.        


6.12. Execução ou cumprimento

a) ação cautelar

A execução da cautelar se dá nos mesmos autos em que é deferida a medida porque a cautelar é uma ação executiva lato sensu, como já visto, havendo cognição e execução nos mesmos autos, como se dá nas ações cautelares específicas de arresto, busca e apreensão e outras.

b) tutela antecipada

A execução da tutela antecipada deve se dar também nos mesmos autos em que é concedida, salvo quando isso causar tumulto ao andamento do processo, caso em que o juiz deve determinar a formação de autos suplementares. Mas a execução da tutela antecipada deve ser completa, porque do contrário a medida não será satisfativa e, como já vimos, tutela antecipada é medida que só tem razão de ser se implementar efetiva satisfação do direito ameaçado de lesão.

Agora, vimos que a tutela de urgência é uma tutela precária, dada em cognição sumária, razão pela qual a antecipação da tutela pode ser modificada ou revogada a qualquer tempo. Por isso mesmo a decisão que a concede tem a natureza jurídica de um título executivo precário. A revogação da tutela tem eficácia imediata e retroativa. Aquele que recebeu valores indevidos tem de devolvê-los, salvo impossibilidade absoluta de fazê-lo, havendo ainda casos em que não se exige a repetição, como ocorre na ação de alimentos[33], salvo má-fé do autor para a obtenção de decisão favorável[34].

Havendo antecipação da tutela para o pagamento de salários ou de verbas rescisórias, verbas de natureza nitidamente alimentar, e tratando-se de um titulo executivo precário essa decisão, temos a seguinte situação: se já foram pagos antes da revogação, não haverá devolução dos valores, salvo hipótese de má-fé; se não foram pagos, não poderá o autor exigir o pagamento se revogada a medida, diante da precariedade do título e porque a revogação tem efeito “ex tunc”.

c) mandado de segurança

A execução do mandado de segurança também de dá nos mesmos autos, mas de uma forma diferente. Há a expedição de um ofício à autoridade coatora, em que se transmite a ordem judicial que deve ser cumprida imediatamente, sob pena de crime de desobediência. E por isso se diz que a execução no mandado de segurança é imediata, específica ou in natura[35].

Por último, a execução do mandado de segurança pode ser provisória, diante da remessa necessária, havendo ou não interposição de recurso, a teor do art. 12, parágrafo único, da Lei nº 1.533/51. Mas não há necessidade de carta de sentença para esse fim.


7. Conclusão

A título de conclusão podemos reiterar que a efetividade do processo agora tem sede constitucional expressa, razão pela qual temos todos nós de promover a concretude dos meios que já existem a nossa disposição, a fim de que o resultado útil do processo seja de fato alcançado.

Nesse tema assume especial relevância o estudo e aplicação correta das tutelas de urgência: ação cautelar, tutela antecipada e mandado de segurança. Por isso procuramos elaborar um quadro comparativo dessas medidas, a fim de facilitar sua compreensão. E o fizemos com a convicção de que, se bem empregadas, essas tutelas promoverão a inclusão social de pessoas que precisam se prevenir de ataques aos seus direitos, mormente quando esses direitos tutelados têm uma função alimentar, como se dá com os salários e verbas rescisórias dos trabalhadores. Outrossim, a correta utilização das tutelas de urgência é uma forma de garantir a própria função jurisdicional do Estado, haja vista que a sociedade somente confiará na atuação do Poder Judiciário quando este der a devida proteção aos direitos, sobretudo os de foro constitucional, no tempo razoável. Não encontrada essa equação necessária, outras reformas virão, com o risco de poderem colocar em cheque o próprio Estado Democrático de Direito (art. 1º da Magna Carta).

Temos de registrar que as noções básicas desse quadro comparativo foram apresentadas em seminário no Curso de Mestrado em Direito das Obrigações, na UNESP – Universidade Estadual Paulista, no Campus de Franca, na matéria de que é Docente a Dra. Yvete Flávio da Costa, Mestre e Doutora em Direito Processual Civil pela PUC/SP. E devemos ressaltar ainda que foi a Profª Yvete quem mais nos estimulou à escrita deste ensaio.

Bibliografia:
  
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MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.
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[1] Dinamarco. Instituições..., I, p. 163.
[2] Teori Albino. Op. cit., p. 191.
[3] Registramos aqui uma preocupação: com a competência ampliada da Justiça do Trabalho o juiz terá de ouvir em todos os mandados de segurança o Procurador Regional do Trabalho, que tem a prerrogativa de intimação pessoal com remessa dos autos. Ocorre que os procuradores estão lotados na cidade que abriga a sede dos TRT’s, com raras exceções de regionalização ou interiorização. Mesmo assim, haverá sedes das procuradorias apenas nas cidades maiores, sedes de circunscrição. Isso será um verdadeiro entrave à tramitação de processos em que se reclamam providências de urgência. E uma solução terá de ser pensada.
[4] Para Carlos Henrique Bezerra Leite as informações são pessoais, salvo na hipótese de o juiz não estar mais exercendo suas funções no juízo em que tomou a decisão. Mandado de segurança no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p. 65.
[5] Dinamarco observa que há casos nos quais o efeito da revelia não se aplica apesar da omissão do réu, mas revel ele será e suportará as outras conseqüências de sua omissão, sempre que deixar de responder à demanda inicial. Instituições..., III, p. 456.
[6] Admitindo confissão ficta em mandado de segurança, Hely Lopes Meirelles. Op. cit., p. 64-65.
[7] Mas há entendimento de que não há revelia em mandado de segurança, porque a autoridade coatora é apenas informante, que deve prestar esclarecimentos ou informações e não defesa.
[8] Teori Albino. Op. cit., p. 127-128.
[9] Para Teori Albino liminar será o provimento que atende, em caráter provisório, parcial ou integralmente, o que o autor pede como provimento definitivo. Op. cit., p. 163-164.
[10] Em sentido contrário, Teori Albino Zavascki. Op. cit., p. 164-165.
[11] No processo do trabalho a CLT menciona a concessão de medidas liminares para obstar transferência abusiva ou para a reintegração de dirigente sindical, nos incisos IX e X do seu art. 659. Mas sabemos que se tratam de hipóteses de antecipação da tutela de mérito.
[12] Teori Albino. Op. cit., p. 193. Em igual sentido, Dinamarco. Instituições..., I, p. 161.
[13] Para pagamento de salário, de verbas rescisórias, para entrega de guias, anotação de CTPS etc.
[14] Por exemplo, quanto à relação de emprego, mandando o empregador anotar a CTPS, depositar o FGTS e proceder à entrega de guias para saque desta verba e requerimento do seguro-desemprego.
[15] Quando atuamos na Vara do Trabalho de Matão tivemos a oportunidade de, na sentença, conceder tutela antecipada para que determinado município depositasse o FGTS imediatamente na conta vinculada do servidor, porque ele precisava dessa providência de urgência para comprar a sua casa própria. E consignamos na sentença que aquele título (precário) era exeqüível independentemente da remessa necessária ou de recurso interposto pela parte contrária, bastando ao advogado requerer a extração de cópias do processo para a formação de autos suplementares, a fim de que o título fosse executado. Não se trata, pois, de execução provisória, já que a tutela é satisfativa. Por isso a alteração do § 3º do art. 273 do CPC, para evidenciar que a execução da tutela antecipada deve ser completa.
[16] Quando o trabalhador foi dispensado ainda tinha como se manter, mas na fase recursal não: a sentença demorou tanto que ele já não tem mais provisões para o seu sustento e de sua família, precisando, assim, da tutela antecipada para a execução imediata dos efeitos condenatórios da sentença.
[17] Basta imaginar aquela liquidação de sentença que não acaba nunca. A situação de urgência pode surgir nessa fase ou até depois, quando iniciada a execução propriamente dita.
[18] Teori Albino também sustenta a possibilidade de a tutela antecipada poder se concedida na fase recursal ou quando já instaurada ação de execução da sentença ou de título executivo extrajudicial, pois havendo oposição de embargos os atos executivos ficam suspensos (art. 739, § 1º, do CPC). Op. cit., p. 81-82.
[19] De se ver o teor da OJ nº 127 da SDI-II do TST.
[20] Cassio Scarpinella Bueno aponta que, justamente por se tratar de prazo decadencial, não pode haver qualquer espécie de dilação, não se podendo falar em prorrogação ou suspensão do prazo. Op. cit., p. 145-146. 
[21] Ovídio Baptista da Silva sustenta haver mérito na ação cautelar, ou um direito substancial de cautela, razão pela qual o fumus boni iuris e o periculum in mora não se tratam de condições da ação, mas do próprio mérito da ação cautelar. E acrescenta que, a se pensar de maneira diversa, a decisão do juiz que declara não estarem presentes tais requisitos seria decisão de conteúdo processual (extinção do processo sem julgamento do mérito), o que possibilitaria a repetição da mesma lide, com base nos mesmos fatos e nos mesmos fundamentos jurídicos, conclusão essa que ele considera inaceitável. Op. cit., p. 228-230. Em sua valiosa obra sobre as tutelas de urgência, José Roberto Dantas Oliva também defende a idéia de que o periculum e o fumus são expressão do próprio mérito da ação cautelar. Tutela de urgência no processo do trabalho. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 29-30. Em sentido contrário Manoel Antonio, para quem não há mérito na ação cautelar simplesmente porque sua sentença não se reveste das eficácias de imutabilidade e indiscutibilidade, não gerando o fenômeno da coisa julgada material. Op. cit., p. 282-283. Ora, o que dizer então das sentenças prolatadas nas relações jurídicas continuativas (art. 471, I, do CPC): são sentenças de mérito ou não?
[22] Imaginemos a seguinte situação: o juiz concedeu a liminar, apreendeu os bens do réu e este demonstrou exaustivamente na instrução que não está dilapidando o seu patrimônio. Ocorre que seus bens estão arrestados. Se o juiz deixar para apreciar o requerimento de revogação da medida na sentença e resolver julgar o processo cautelar junto com o principal, que pode estar ainda no início do seu curso, estará prejudicando o réu. E mesmo que o réu não tenha demonstrado situação diversa daquela em que se baseou o juiz para o deferimento da liminar, a falta de decisão sobre o mérito cautelar inviabiliza o direito daquele à interposição de recurso. Portanto, em última instância, fere o devido processo legal o ato do juiz que deixa para julgar a ação cautelar junto com a ação principal.
[23] Em sentido contrário Cândido R. Dinamarco, para quem a cognição no mandado de segurança e nos processos cautelares é superficial, sumária e não exauriente. Instituições..., III, p. 39.
[24] Cassio Scarpinella Bueno observa com propriedade que é necessário analisar a fundamentação da sentença da ação mandamental para se verificar se houve ou não decisão de mérito, porque se a sentença acabou por entender inocorrente o próprio direito reclamado pelo impetrante, o “fundo” de seu direito, é porque, tecnicamente, julgou o “mérito” do mandado de segurança. E nesse caso, em que a sentença não identificou qualquer ilegalidade ou abusividade de poder, não se pode falar que o “direito líquido e certo” se constitui em condição da ação, como afirma a doutrina e a jurisprudências majoritárias. Op. cit., p. 139.
[25] Op. cit., p. 112-113.
[26] Idem, p. 215.
[27] Daí ser precipitado falar que o processo laboral não admite, de forma alguma, recurso de decisão interlocutória. Esse é um exemplo de recorribilidade de interlocutórias na Justiça do Trabalho. Agravo regimental é, assim, recurso que se interpõe contra decisão interlocutória tomada em processos de competência originária dos tribunais, de natureza cautelar, mandamental ou de qualquer outra natureza. Não bastassem os inúmeros recursos previstos em lei, os tribunais também os cria através dos seus regimentos internos. Ver a esse respeito o teor da OJ nº 69 da SDI-II do TST.
[28] Embora entenda que a ação cautelar tem mérito próprio, Ovídio Baptista da Silva não admite a existência de coisa julgada material nessa ação, em razão do caráter mandamental da tutela cautelar, alargando-se a fronteira jurisdicional, para se admitir a existência de jurisdição sem coisa julgada material. Op. cit., p. 235-236. Teori Albino observa que é pensamento firmemente assentado na doutrina o de que a sentença proferida em ação cautelar não produz coisa julgada, dado que as medidas cautelares podem ser modificadas ou revogadas a qualquer tempo. Op. cit., p. 36.
[29] Apud Teori Albino Zavascki. Op. cit., p. 36-38. Se o juiz apreciou o mérito da situação de perigo e se convenceu, por exemplo, de que a testemunha não é portadora de grave doença e por isso não é o caso de se produzir antecipadamente a prova, essa decisão, transitada em julgado, adquire a qualidade de coisa julgada material para aquela situação de fato. Não pode o autor ajuizar outra ação cautelar com o mesmo fundamento. Se trouxer fato novo não haverá a tríplice identidade de elementos da ação (partes, causa de pedir e pedido), não se podendo falar em coisa julgada material.
[30] Exemplos: o dirigente sindical comprova que tem mandato ainda por dois anos e que foi dispensado arbitrariamente, demonstrando o seu direito líquido e certo à reintegração – a decisão que isso pronunciar faz coisa julgada material porque houve o julgamento do mérito da própria existência do direito; ou a situação contrária, em que o juiz chega à conclusão que não há direito líquido e certo porque o autor nem é dirigente sindical ou porque já expirou o seu período de estabilidade. Nesse último caso não cabe nenhuma outra ação visando a reintegração, nem mandado de segurança nem ação própria, porque na ação mandamental, após uma cognição exauriente, o juiz identificou que não há o direito líquido e certo afirmado, que o direito inexiste.
[31] Para Cassio Scarpinella Bueno haverá apreciação do mérito do mandado de segurança sempre que se reconhecer ou não a existência do direito afirmado, violado ou ameaçado, pelo impetrante (a existência ou não da ilegalidade ou da abusividade do ato coator), fazendo essa decisão coisa julgada material. Por outro lado, se não houver prova da liquidez e certeza do direito, essa decisão não é de mérito. Op. cit., p. 136-139.
[32] Hely Lopes Meirelles assevera que há decisão de mérito em mandado de segurança e, portanto, coisa julgada material, que ocorre quando o juiz afirma a existência ou a inexistência do direito a ser amparado, não fazendo coisa julgada a decisão que denega a segurança por falta de certeza ou de liquidez do direito, bem como a que extingue o processo por carência ou a que indefere desde logo a inicial por não ser caso de mandado de segurança ou por falta de requisitos próprios à impetração. E acrescenta que o impetrante poderá renovar a ação com o mesmo objeto, mas por fundamentos diversos, ou seja, com nova causa de pedir. Op. cit., p. 75-76.
[33] No processo do trabalho já temos uma hipótese semelhante: se no dissídio coletivo a sentença normativa defere reajuste salarial e esse reajuste é pago, ainda que o TST dê provimento ao recurso ordinário interposto não haverá devolução das diferenças salariais pagas.
[34] Teori Albino Zavascki. Op. cit., p. 53.
[35] Hely Lopes Meirelles. Op. cit., p. 68-69.

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