sábado, 19 de outubro de 2013

As tutelas de urgência como garantia da jurisdição e de inclusão social – Parte 2.

Segue a 2ª parte do artigo sobre as tutelas de urgência, para a apreciação dos que gostam do tema.
Somente hoje pude postá-la porque nessa semana fiquei envolvido com o Congresso de Direito do Trabalho Rural de Araraquara, no qual houve o lançamento de meu novo livro, Flexibilização da jornada de trabalho e a violação do direito à saúde do trabalhador. O evento foi um sucesso. Muito obrigado a todos os que compareceram. 

*Este artigo foi publicado na Revista LTr, em fevereiro de 2006, p. 163-179, bem como em outras revistas especializadas  



AS TUTELAS DE URGÊNCIA COMO GARANTIA DA JURISDIÇÃO E DE INCLUSÃO SOCIAL – TUTELA CAUTELAR, ANTECIPATÓRIA E MANDAMENTAL



PARTE 2



6. Quadro comparativo das tutelas de urgência

Nessa comparação das tutelas de urgência, necessária se torna a análise da natureza jurídica de cada uma delas, das hipóteses de seu cabimento, de qual órgão judiciário tem competência para o conhecimento da medida, dos requisitos ou pressupostos para o seu deferimento, da prova para a obtenção da tutela, do procedimento aplicável, da medida liminar, do momento processual em que pode ser deferida, da natureza jurídica da decisão, dos recursos que podem ser interpostos contra a decisão, da coisa julgada e, por fim, da execução ou cumprimento da medida. É o que faremos.


6.1. Natureza jurídica

aação cautelar

A ação cautelar, por óbvio, trata-se de uma ação, cuja finalidade é a de assegurar o resultado útil de um outro processo. Mas, na classificação quinária de Pontes de Miranda a ação cautelar tem a natureza jurídica de ação executiva lato sensu[1], porque no bojo do mesmo procedimento, da mesma ação, o juiz conhece da matéria que lhe é submetida a exame e, caso defira a medida cautelar, executa-a imediatamente. Há, pois, cognição e execução nos mesmos autos. Exemplo típico de ação cautelar, onde se constata o acerto dessa teoria, é a cautelar específica de arresto.

b) tutela antecipada

De todos sabido que a natureza jurídica da tutela antecipatória é de decisão interlocutória. Não é ação, haja vista que somente se concede tutela antecipada na ação de conhecimento em curso. E é uma decisão interlocutória porque a cognição para o seu deferimento é sumária e por isso ela não é medida definitiva, mas provisória. 

Afirma a doutrina que a tutela antecipada foi concebida com uma finalidade científica, qual seja, a de purificação do processo cautelar[2], já que a satisfatividade não é característica própria da tutela concedida neste. A tutela antecipada se presta à satisfação do direito ameaçado de lesão, sendo, assim, medida satisfativa.

Mas, como se sabe, essa segmentação das espécies de tutela foi relativizada com a introdução do § 7º ao art. 273 do CPC, que prevê a possibilidade de concessão de tutela cautelar em lugar da tutela antecipada. Se o autor pede como tutela antecipada uma medida que, na verdade, tem natureza cautelar, o juiz, presentes os requisitos, defere essa medida nos autos principais, sem remeter o autor à ação própria[3]. E, como observa Dinamarco, não há fungibilidade em uma só mão de direção[4], o que significa afirmar que também pode haver concessão de tutela antecipada em sede de ação cautelar[5].
c) mandado de segurança

Mandado de segurança é uma ação. Que espécie de ação? Ação de natureza constitucional[6], segundo a doutrina praticamente unânime. O mandamus é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, incisos LXIX e LXX da Constituição, nominando-o alguns autores de remédio constitucional.

Hely Lopes Meireles afirma que é uma ação de natureza civil[7]. Ocorre que, segundo a tutela pretendida ou a carga de eficácia da medida, ela tem natureza mandamental. Na multicitada classificação quinária temos que a ação de segurança é uma ação mandamental porque nela o juiz conhece a matéria restrita à existência de um direito líquido e certo e, caso o encontre provado de plano, já profere uma ordem para que seja cumprida imediatamente, por uma autoridade pública ou por uma autoridade privada investida de função pública[8]. Essa ordem tem de ser cumprida, sob pena de crime de desobediência. Por isso ela tem essa carga de eficácia muito maior, uma carga mandamental, recorrendo-se à idéia de mandamento: cumpra-se!

De acordo com o pensamento de Teori Albino Zavascki, o mandado de segurança tem natureza cautelar quando impetrado contra decisão judicial, tendo em vista que sua finalidade é preservar o direito ao devido processo legal[9], isto é, assegurar o resultado útil do provimento esperado no processo em que proferida a decisão que, aos olhos do impetrante, é ilegal ou abusiva de seu direito líquido e certo.


6.2. Cabimento

a) ação cautelar

Para se saber quais as hipóteses de cabimento da ação cautelar temos de recordar qual é a finalidade dessa ação. Já vimos que na classificação de Calamandrei e Galeno Lacerda há cautelar para prevenir uma situação de perigo à prova ou para preservar uma situação quanto à futura execução. Essas são as medidas tipicamente cautelares, pois que não há falar em cautelar satisfativa no estágio atual do processo, porquanto aquela cautelar que era denominada de satisfativa hoje se consubstancia em novo instituto, o da tutela antecipada. De modo que cabe ação cautelar para assegurar a produção da prova ou para preservar a futura execução.

Também para a obtenção de efeito suspensivo a recursos a doutrina e jurisprudência majoritárias entendem que, tecnicamente, o meio adequado é o ajuizamento de ação cautelar com esse fim[10]. Cabível ainda a ação cautelar para se obter a suspensão da execução da sentença rescindenda em ação rescisória, tendo em vista que esta não suspende o trâmite executivo (art. 489 do CPC), conquanto Teori Albino admita a concessão de tutela antecipada com esse escopo, já que a medida não é genuinamente cautelar[11]. Muito pelo contrário, ela antecipa os efeitos pretendidos na própria ação: em regra, impedir a execução do julgado, com a desconstituição da coisa julgada que confere força executiva à sentença.

b) tutela antecipada

Na investigação de quais são as hipóteses de cabimento de tutela antecipada não tratamos de pressupostos ou de requisitos para o seu deferimento, mas da finalidade da tutela antecipada. A sua finalidade é a de evitar lesão ao direito. Por isso mesmo a primeira hipótese de cabimento está inscrita no inciso I do art. 273 do CPC – evitar grave lesão, de impossível ou incerta reparação, ao direito. Se houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito material, cabe a antecipação da tutela[12]. A doutrina fala em tutela antecipada de urgência para esta espécie.

Mas cabe a antecipação da tutela também em outras hipóteses, quando restar caracterizado o abuso do direito de defesa do réu, quando houver um manifesto intuito protelatório do réu, ou seja, em todos os casos de litigância de má-fé. Aplicam-se aqui, portanto, todas as hipóteses do art. 17 do CPC, já que as condutas maliciosas ali descritas se enquadram perfeitamente no gênero abuso do direito de defesa. Em sede doutrinária o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II do art. 273 do CPC) fundamentam a concessão da tutela de evidência[13].

Cabe também a antecipação quando houver incontrovérsia a respeito de determinado pedido, nos moldes do § 6º do art. 273 do CPC, ao que poderíamos chamar de tutela da incontrovérsia[14].

E é cabível inclusive em ação rescisória, se houver perigo de dano de irreversibilidade da execução da sentença, para se obter a suspensão daquela execução, segundo Teori Albino Zavascki, conforme já exposto quando tratamos da cautelar. O mestre da UFRS entende que é caso de tutela antecipada porque o autor da ação rescisória pretende antecipar o provimento final daquela ação. O efeito que ele busca na ação rescisória é impedir a execução, desconstituindo a coisa julgada que dá certeza ao título executivo. Como o autor não visa resguardar o resultado útil de outro processo, mas a antecipação dos efeitos da decisão rescisória, trata-se de medida antecipatória a que concede o pedido de suspensão da execução. No entanto, a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem que não cabe tutela antecipada em sede de ação rescisória, afirmando que o procedimento correto é o ajuizamento de ação cautelar a fim de se pleitear que seja suspensa a execução em curso.

c) mandado de segurança

No estudo das hipóteses de cabimento do mandado de segurança temos de investigar qual a sua finalidade. O mandado de segurança, como é sabido, visa a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública ou de autoridade privada no exercício de função pública delegada (concedida, permitida ou autorizada)[15].

Mas o art. 5º da Lei nº 1.533/51[16] dispõe que não cabe mandado de segurança contra ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, de despacho ou de decisão judicial quando haja recurso previsto em lei ou possa ser modificado por via de correição parcial e, ainda, de ato disciplinar, salvo se praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de alguma formalidade essencial.

Desse rol, o mais importante para o processo do trabalho é o inciso II[17] – não cabe mandado de segurança de despacho ou de decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição. Correição parcial, como todos sabem, é uma medida administrativa que é utilizada quando o juiz comete um erro de procedimento grave e que causa um verdadeiro tumulto ao andamento do processo[18]. Além dessa hipótese, se a decisão também pode ser impugnada por recurso não cabe mandado de segurança[19].

Ainda a respeito do cabimento do mandado de segurança, Teori Albino Zavascki pondera que também é cabível para assegurar o direito ao devido processo legal na fase recursal, como já exposto em nota anterior. Se o recurso não tem efeito suspensivo e o recorrente esperar o trâmite processual para o julgamento do seu recurso pode ver seu direito perecer. O estado de perigo de lesão ao seu direito é tal que ele necessita de uma tutela de urgência. Terá de interpor o recurso e impetrar mandado de segurança ou aforar ação cautelar[20] para a obtenção de liminar que conceda o efeito suspensivo ao recurso. Se ele não recorrer não terá direito à liminar. Pensamos que essa situação pode ocorrer tanto no procedimento administrativo quanto no processo judicial.


6.3. Competência

a) ação cautelar

Neste passo se torna importante saber quem tem competência para conceder medida liminar em ação cautelar. Pois bem, o juízo competente é o que processa a causa principal ou, em se tratando de medida cautelar preparatória, o juízo[21] que seria competente para conhecer da ação principal, a teor do art. 800, caput, do CPC. Mas se já houve a interposição de recurso, a competência funcional passa a ser do tribunal (parágrafo único do mesmo dispositivo). Qual juiz, no tribunal, tem competência para deferir a liminar cautelar? A doutrina afirma que competente é o juiz relator do recurso.

Porém, surgem nesse tema duas situações que precisam ser enfrentadas: 1ª) ainda não houve a interposição de recurso e a parte precisa de uma medida liminar na fase recursal; 2ª) já houve a interposição do recurso, mas os autos ainda não subiram ao tribunal[22] e, portanto, ainda não se tem relator. Quem é o juiz competente nessas duas situações?

De acordo com uma interpretação sistemática do caput com o parágrafo único do art. 800 do CPC, se ainda não houve a interposição de recurso o juízo competente para conceder a liminar é o de primeira instância, porque a locução do dispositivo fala que “interposto” o recurso a competência passa a ser do tribunal.

De quem é a competência se os autos nem subiram?[23] Poder-se-ia argumentar que seria cabível uma outra ação cautelar para resguardar o resultado daquele primeiro processo, pedindo-se ao presidente do tribunal que faça uma distribuição imediata a fim de se saber logo quem é o relator que vai apreciar aquele recurso interposto e, por via de conseqüência, a medida cautelar a ser requerida. Ou ainda que caberia mandado de segurança para que haja imediata distribuição, com o mesmo desiderato.

Antes da EC nº 45 poderia ser aplicado, por analogia, o art. 68 da Lei Complementar nº 35/79, segundo o qual, quando havia férias coletivas nos tribunais[24], não havendo distribuição e, portanto, não se sabendo quem era o relator, quem apreciava as medidas de urgência era o presidente do tribunal ou qualquer outro juiz que estivesse exercendo, naquele momento, a presidência do tribunal, seja mandado de segurança, tutela antecipada ou medida cautelar. Destarte, se o recurso não foi distribuído porque os autos nem subiram, aplicando-se por analogia o teor desse dispositivo[25], pode a parte requerer a tutela cautelar ao presidente do tribunal ou a quem estiver exercendo a presidência naquele momento. E essa providência também pode ser aplicada para os casos de ação cautelar em que se postula a concessão de efeito suspensivo ao recurso interposto, quando os autos ainda não tiverem subido ao tribunal.

b) tutela antecipada

Para a tutela antecipada temos idêntica situação[26]. Na falta de previsão legal, o correto é aplicar por analogia o art. 800 e seu parágrafo único do CPC. De modo que o juízo que aprecia o requerimento de tutela antecipada é o que está conhecendo do processo em curso. Se já prolatou a sentença e não houve interposição de recurso é ele ainda o juízo competente. Se já houve a interposição de recurso, a competência funcional passa a ser do tribunal. Do relator do processo (OJ nº 68 da SDI-II do TST) ou do presidente do tribunal, naquela situação em que o recurso ainda não foi distribuído porque os autos nem subiram.

c) mandado de segurança

De quem é a competência em mandado de segurança? Essa matéria era simples no processo do trabalho, pois bastava invocar o art. 678, I, “b”, “3”, da CLT, tendo em vista que neste processo somente era cabível mandado de segurança contra ato judicial. E, assim, era óbvio que a competência funcional para conhecer de mandado de segurança era do tribunal, em sua composição plenária, em seções especializadas ou ainda em suas turmas ou câmaras.

Agora, após a EC nº 45/04, também cabe mandado de segurança contra ato de autoridade pública ou de autoridade privada no exercício de função pública na Justiça do Trabalho (incisos IV e VII do art. 114 da CF) e a competência funcional será, nesses casos, do juízo de primeira instância porque não há disposição expressa no sentido de que a competência seja dos tribunais, que é extraordinária[27]. Em tais casos, então, juízo competente será aquele que puder conhecer da matéria, nos limites de sua competência territorial.


6.4. Pressupostos

a) ação cautelar

Na averiguação dos requisitos ou pressupostos se analisa o que é necessário para que o autor consiga a tutela cautelar, a tutela antecipada ou a liminar em mandado de segurança.

 Para a tutela cautelar ele precisa demonstrar o binômio clássico fumus boni iuris e periculum in mora. O fumus boni iuris nada mais é do que a plausibilidade do direito, a possibilidade de que aquele sujeito seja titular do direito material a ser satisfeito. Portanto, diz respeito ao direito material. No entanto, em sede de ação cautelar não há necessidade alguma da prova do direito material[28], havendo apenas de se fazer uma referência a esse direito, porquanto basta uma plausibilidade, uma possibilidade de que ele exista.

Já o periculum in mora concerne à situação de perigo a que está sujeito esse direito, indiretamente, diante da ameaça à sua prova ou à futura execução. E por isso é o mais importante pressuposto da medida cautelar. Entrementes, não significa perigo de demora do processo principal[29], não tendo exata correspondência com a demora, com a liturgia do rito comum do processo. Até porque em alguns ritos sumários, especialmente no processo do trabalho, o trâmite processual pode ser rápido[30]. Ocorre que é o perigo de dano àquela situação de fato determinada que se torna necessário acautelar. Há um perigo de perda da prova ou de perda dos bens que compõem o patrimônio do réu e o autor precisa de uma providência jurisdicional de urgência para antecipar a produção da prova ou para represar os bens do réu imediatamente. O periculum in mora diz respeito justamente a esses fatos: o fato de perigo de perda do direito à prova ou de perigo de extravio dos bens do réu.

b) tutela antecipada

Quanto à tutela satisfativa, os pressupostos são os seguintes: a verossimilhança da alegação e a prova inequívoca. Verossimilhança da alegação corresponde ao direito material. Portanto, não basta uma mera plausibilidade do direito, pois em sede de tutela antecipada se exige um pouco mais, isto é, exige-se que a alegação do direito material seja parecida com a verdade, ou muito próxima desta[31]. E também se faz necessária uma prova inequívoca da situação de fato que causa perigo de dano ao direito[32]. De tal modo que, em se tratando de antecipação de tutela não basta a mera plausibilidade do direito[33], por se tratar a antecipação de uma medida satisfativa, e por isso a prova deve ser robusta, convincente, mas a respeito da situação de perigo e não do direito material, para o qual é suficiente uma verossimilhança de que exista.

c) mandado de segurança

Em sede de mandado de segurança, o pressuposto é  a existência de um direito líquido e certo. Esse direito líquido e certo é aquele que pode ser comprovado de plano. Por isso não há dois pressupostos no mandado de segurança, exatamente porque o direito somente será líquido e certo se dele houver prova cabal. Na cautelar temos o fumus boni iuris e o periculum in mora, na antecipação de tutela temos a verossimilhança e a prova inequívoca, mas no mandado de segurança nem se fala de prova como pressuposto porque nele a prova é pré-constituída. A prova é documental, portanto, para a demonstração do pressuposto único do mandado de segurança: a existência do direito líquido e certo. Essa expressão por si só já é completa, porquanto só há liquidez e certeza se o direito for provado de plano, através de um documento.

Hely Lopes Meireles formulou uma definição de direito líquido e certo que nos parece insuperável. Para ele direito líquido e certo é aquele manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e exercitável desde logo[34].


6.5. Prova

a) ação cautelar

Qual é a prova que se exige para a concessão de tutela cautelar? A prova do fato que causa perigo de dano ao direito, ou melhor dizendo, a prova do fato que causa perigo de mudança da situação fática. A função da cautelar é preservar uma situação de fato. O direito material pode ficar inviabilizado pela perda da prova a ele correspondente. Daí a necessidade de se preservar a prova, assegurando-se a sua produção antecipada. Ou há risco de o direito material não ser satisfeito se não se assegurar os bens no patrimônio do réu para a futura execução. Essa prova não é robusta porque a cautelar não é satisfativa. A prova cautelar, portanto, é uma prova indiciária. De modo que na ação cautelar a dilação probatória não diz respeito ao fato que demonstra a existência do direito material, porque deste basta uma mera plausibilidade.

O periculum in mora, que corresponde ao perigo de dano à prova ou à futura execução, tem de ser demonstrado já para a obtenção da liminar. Se o juiz não se convence do fato afirmado, pode exigir uma justificação prévia antes mesmo de citar o réu porque, em boa parte das vezes, a citação inviabiliza a efetivação da tutela cautelar. Mas não pode perder de vista que basta uma cognição sumária do fato. E não deve o juiz ter grande receio com a irreversibilidade porque a medida é uma tutela eminentemente provisória e assegurativa de uma situação de fato, diferentemente da tutela antecipada, que é satisfativa.

b) tutela antecipada

Já em sede de tutela antecipada, reiterando o quanto afirmado anteriormente, a prova tem de subir um pouco mais na escada de exigência. Aqui a prova tem de ser inequívoca, mas, como inequívoca nunca será, terá de ser uma prova robusta. Prova de quê? Prova do perigo de dano ao direito. Se não se executar a medida antecipatória o direito sofrerá a lesão temida, talvez de forma irreversível. Por isso que se faz urgente a concessão da tutela e ela será mesmo satisfativa. No dizer de Ovídio Baptista da Silva, nas medidas antecipatórias se executa para propiciar segurança àquela situação de perigo de lesão ao direito, conforme nota no início deste ensaio. Repetindo o quanto já afirmamos, o que se exige, então, em sede de tutela antecipada é a produção de uma prova robusta, convincente, mas a respeito da situação de perigo e não do direito material, para o qual é suficiente uma verossimilhança de que exista.

c) mandado de segurança

No mandado de segurança, a prova vai subir mais ainda na escada de exigência. É uma prova pré-constituída[35]. Não há dilação probatória em sede de mandado de segurança, salvo em uma única hipótese: quando o documento que dá suporte ao mandado se encontra em poder da autoridade coatora ou em poder de qualquer outra autoridade que se nega a fornecê-lo por certidão – art. 6º, parágrafo único, da Lei nº 1.533/51. Somente nessa hipótese cabe produção da prova no curso da ação mandamental.

Finalizando a questão da prova, vimos que, preenchidos os pressupostos para a concessão da medida, há uma escada de exigência para a sua prova em juízo (graus de exigência), na exata conformidade da medida postulada. Para a cautelar, pressupostos menos rígidos e prova indiciária. Para a tutela antecipada requisitos um pouco mais exigentes e uma prova robusta. Para o mandado de segurança, num grau mais elevado, direito líquido e certo, comprovado de plano, admitindo-se apenas a prova documental. Há, portanto, uma gradação dos pressupostos e da prova conforme a tutela. As tutelas são todas de urgência, mas a situação que se preserva com a cautelar não permite a satisfação do direito material, pois a medida é meramente acautelatória. Para a tutela antecipada, por ser medida satisfativa, os requisitos são mais rígidos e a prova deve ser robusta. E no mandado de segurança, onde tem de ser provado direito líquido e certo, que raramente existe no sistema jurídico, tem de haver uma prova plena, exibida de plano.




[1] Teori Albino Zavascki. Op. cit., p. 15. Para Ovídio A. Baptista da Silva a ação cautelar, na generalidade dos casos, tem índole mandamental. Op. cit., p. 40 e 219.
[2] Teori Albino. Op. cit., p. 45.
[3] Exemplo: o autor ajuíza uma ação pedindo verbas rescisórias, horas extras, etc. e narra que o réu está dilapidando o seu patrimônio, requerendo uma tutela antecipada para bloquear os bens do réu. Não se trata de tutela antecipada porque a medida postulada não é satisfativa. Ele só quer resguardar a futura execução. O juiz, recorrendo ao princípio da fungibilidade, defere a medida cautelar nos mesmos autos, ou seja, nos autos principais.
[4] A reforma da reforma. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 92. Cândido Rangel Dinamarco fala em duplo sentido vetorial da fungibilidade entre as medidas de urgência. Op. cit., p. 94.
[5] Exemplo: o autor ajuíza uma ação de arresto e pede para que sejam pagos os salários atrasados porque está passando por necessidades inadiáveis. Essa providência não é cautelar, haja vista que se trata de medida satisfativa e, portanto, é uma providência de natureza antecipatória. De modo que o juiz pode conceder, nos autos da ação cautelar, a tutela antecipada para evitar lesão irreparável ao direito do autor. Agora, o que fazer com aquela ação cautelar? A doutrina não explica. Pensamos que o juiz pode, de ofício, “transformar” a cautelar em ação de rito ordinário ou sumário, neste último caso se preenchidos os requisitos próprios do art. 852-B da CLT, tendo em vista que aquela ação nada tem de cautelar. O juiz pode, então, receber a ação cautelar como ação principal para tornar desnecessária a propositura de outra ação (art. 806 do CPC). É o que o juiz faz quando recebe um recurso no lugar de outro, aplicando o princípio da fungibilidade. Somente assim se terá, na prática, a fungibilidade entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória.
[6] Teori Albino. Op. cit., p. 190.
[7] Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 15ª ed. atual. por Arnoldo Wald, São Paulo: Malheiros, 1994, p. 21.
[8] Cassio Scarpinella Bueno assinala que onde houver delegação de função pública (concessão, permissão, autorização ou outra forma de trespasse da atividade pública ao particular) se torna cabível mandado de segurança contra o ato de autoridade, que é a pessoa que detém poder de decisão. “Daí a admissibilidade, pela jurisprudência, de mandados de segurança contra dirigentes de escolas particulares ou de particulares prestadores de serviços públicos” (art. 209, II, da CF; Súmula 510 do STF). Mandado de segurança: comentários às Leis n. 1.533/51, 4.348/64 e 5.021/66 e outros estudos sobre mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18.
[9] E cita o caso de interposição de apelação, recebida apenas no efeito devolutivo, sendo cabível, para ele, o mandado de segurança para a obtenção do efeito suspensivo ao recurso. Op. cit., p. 122-128. Citamos a função cautelar do mandado de segurança no processo do trabalho, quando impetrado contra decisão interlocutória, que é irrecorrível de imediato, como a decisão que não concede liminarmente a reintegração de dirigente sindical.
[10] Tanto é assim que Teori Albino assinala que a jurisprudência do STF e do STJ se inclinam por admitir ação cautelar inominada para a obtenção de efeito suspensivo a recurso de natureza extraordinária (RE ou RESP). Op. cit., p. 133. E essa é a orientação do TST (OJ 51 da SDI-II).
[11] Op. cit., p. 187-189.
[12] Exemplos: 1) o trabalhador foi despedido e não recebeu nem mesmo as verbas de natureza rescisória, está com dívidas no supermercado, na farmácia e não tem dinheiro para comprar comida e alimentar os filhos – a demora na concessão da tutela de pagamento daquelas verbas pode ocasionar dano irreparável ou de difícil reparação. A providência jurisdicional é uma medida de urgência, portanto. 2) O dirigente sindical foi dispensado arbitrariamente às vésperas de uma negociação coletiva em que ele era a pessoa mais indicada para o debate coletivo. A urgência se faz presente e se o juiz não determinar a sua imediata reintegração o dano à coletividade de trabalhadores pode ser irreparável. 3) Se o juiz não concede a tutela para obstar a transferência abusiva de um empregado e ele tem de suportar todas as despesas relativas à mudança, ao que se soma o transtorno de tirar a família do lugar onde mora, as crianças da escola, o dano sofrido será irreparável ou de improvável reparação. Enfim, toda vez que se está diante de uma situação de perigo de dano grave ao direito, numa situação de urgência, cabível se torna a concessão de tutela antecipada. Neste ensaio não tratamos em separado, pois, das espécies de tutela antecipada: de obrigação de dar (art. 273 do CPC) e específica de obrigação de fazer ou não fazer (art. 461 do CPC). Até porque o art. 659 da CLT se refere a medida  liminar para esses dois últimos exemplos (do dirigente sindical e da transferência), embora se tratem de medidas antecipatórias.
[13] Isso porque não há falar nesses casos em situação de urgência para a medida, que é dada diante da evidência de que o direito vindicado é bom e precisar ser atendido, tanto que o réu está apenas a protelar a satisfação desse direito, fato que deve ser coibido prontamente pelo juiz, zelando assim pela dignidade da justiça.
[14] O réu não nega que deixou de pagar os salários ou as verbas rescisórias ou até confessa que não os pagou – trata-se de uma hipótese clara para a concessão de tutela antecipada. Infelizmente os advogados não têm percebido essa situação e não formulam requerimento de antecipação da tutela da incontrovérsia.
[15] Por isso que a jurisprudência no processo civil admite o cabimento de mandado de segurança contra ato do diretor de escola privada, porque a educação é uma função do Estado e como este não tem condições de dar educação para todos, autoriza as escolas particulares a funcionar (art. 209, II, da CF). Essa é uma função pública autorizada. E em todas as funções públicas permitidas ou concedidas também caberá o mandado de segurança contra ato de autoridade.
[16] O E. TST, em sua SDI-II, tem algumas orientações jurisprudenciais importantes a respeito de mandado de segurança. São elas: OJ nºs 50, 51, 58, 60, 62, 63, 64, 65, 67, 88, 92, 93, 98, 120, 127, 137, 139, 140 e 142. Também é relevante a OJ nº 4 do Tribunal Pleno.
[17] Com a ressalva de que o inciso I, diante das novas competências da Justiça do Trabalho introduzidas pela EC nº 45/2004, que agora pode conhecer das ações relativas às penalidades administrativas impostas pelos órgãos de fiscalização do trabalho (inciso VII do art. 114 da CF), por exemplo, dos mandados de segurança impetrados contra ato de Delegado Regional do Trabalho, ganha importância na seara trabalhista. De tal modo que, não cabendo mandado de segurança contra ato de que caiba recurso administrativo com efeito suspensivo e, havendo uma penalidade imposta pela DRT, mas sendo cabível no caso recurso com efeito suspensivo na via administrativa, não será cabível mandado de segurança. Trata-se de uma boa questão para os concursos públicos.
[18] Sergio Pinto Martins afirma que a natureza jurídica da correição parcial é de incidente processual, tratando-se mais de um procedimento administrativo, para restabelecer a boa ordem processual. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 426-427.
[19] Aqui surge um problema no processo do trabalho: as decisões interlocutórias são irrecorríveis de imediato e, assim, poderiam desafiar mandado de segurança. Porém, somente será cabível a ação de segurança contra a decisão judicial se houver violação de um direito líquido e certo da parte, o que nem sempre é fácil de se demonstrar, como se verá mais adiante.
[20] O meio adequado é a ação cautelar, conforme fundamentos já expendidos.
[21] Dinamarco explica que competência de juízo é a quantidade de jurisdição cujo exercício se atribui a um órgão específico na estrutura do Judiciário ou a órgãos da mesma espécie, pertencentes à mesma Justiça, localizados no mesmo grau de jurisdição e ocupando a mesma base territorial. Instituições..., I, p. 547.
[22] Antes da EC nº 45/2004 havia ainda a hipótese de os autos estarem no tribunal mas não ter havido distribuição. Mas agora, de acordo com o inciso XV do art. 93 da CF, acrescido pela referida EC, “a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição”.
[23] Manoel Antonio entende que, apesar de interposto o recurso, mas estando os autos ainda em primeiro grau e havendo necessidade de uma medida cautelar (de urgência), a competência será do juiz de primeira instância. Op. cit., p. 210. Divergimos desse posicionamento porque afronta a norma do parágrafo único do art. 800 do CPC, que estabeleceu uma competência funcional, em razão da necessidade de se conformar o resultado do processo principal, sujeito à revisão pelo tribunal diante do recurso interposto, com a medida cautelar que vise garantir sua eficácia, como bem explanou Paulo Afonso Garrido de Paula. Código de processo civil interpretado. Antonio Carlos Marcato, coordenador. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2232.
[24] Depois da EC nº 45 a atividade jurisdicional passou a ser ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau (inciso XII do art. 93 da CF, acrescentado pela Emenda).
[25] Não vamos analisar aqui a recepção ou não do citado dispositivo. Apenas observamos que há quem entenda que o recesso da Justiça Federal comum e do trabalho, por não se tratar de férias, continuará existindo e, assim sendo, o teor do art. 68 da LC nº 35/79 poderá ser aplicado nos casos de medidas de urgência requeridas durante o recesso.
[26] Teori Albino também sustenta esse posicionamento, afirmando ser aplicável no caso o teor do art. 800 e parágrafo único do CPC. Op. cit., p. 121 e 123.
[27] Dinamarco aponta que a competência originária dos órgãos de primeiro grau (varas) é ordinária; a dos tribunais, extraordinária. Instituições..., I, p. 548.
[28] Não há necessidade de o trabalhador demonstrar seu direito ao pagamento das verbas rescisórias ou das horas extras. Basta que ele alegue que trabalhou, foi dispensado e junte cópia da CTPS anotada ou de recibos de pagamento, para que se tenha uma plausibilidade de que não recebeu aquelas verbas. Ovídio Baptista da Silva assevera que, por se tratar o fumus de mera verossimilhança do direito invocado, em sede cautelar não há necessidade de prova irretorquível e incontroversa desse direito. Op. cit., p. 121.
[29] Novamente Ovídio, apontando o erro de Calamandrei, quando este sustentou que o perigo de dano era derivado do retardamento de um provimento jurisdicional definitivo, ou seja, que o periculum só deriva da morosidade do procedimento comum, ou melhor dizendo, da morosidade com que se conseguiria o provimento definitivo. Op. cit., p. 34.
[30] O processo de rito sumaríssimo na seara trabalhista, por exemplo, por vontade do legislador seria resolvido em 15 dias, no máximo em 45 dias (arts. 852-B, III e 852-H, § 7º, da CLT), e nele não haveria necessidade de medida cautelar, portanto.
[31] Uma cópia da CTPS anotada (com baixa do contrato) e do aviso prévio sem justa causa já demonstram a verossimilhança da alegação de que as verbas rescisórias não foram pagas.
[32] Se o trabalhador está passando necessidades, tem contas do supermercado ou da farmácia a serem pagas, ou está com sua conta bancária “negativa” e isso demonstra ao juiz, já produziu a tal prova inequívoca da situação de fato que causa perigo de dano, e de dano irreparável, diga-se de passagem, ao seu direito material.
[33] Como explica Teori Albino, diferentemente do que ocorre no processo cautelar, no qual há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados, a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de uma relativa certeza quanto à verdade dos fatos. E a respeito da prova inequívoca pondera que, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que não existe, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade. Op. cit., p. 76. Acrescentamos: o juiz que exigir prova inequívoca jamais concederá tutela antecipada. Em verdade, nunca terá condições de prolatar sentença também, já que prova inequívoca simplesmente não existe. O documento pode ser falso, a testemunha pode mentir, ou se equivocar.
[34] Op. cit., p. 25-26. Exemplo: dirigente sindical reclamando no mandado de segurança a sua reintegração, juntando cópia do estatuto do sindicato, da ata de eleição e posse, da notificação disso ao empregador e do aviso prévio em que foi comunicado de sua dispensa. O direito é líquido e certo porque ele é manifesto na sua existência, tendo em vista a comprovação de que o autor é dirigente sindical e foi dispensado sem justa causa, tendo direito à reintegração. Ele é delimitado na sua extensão porque na ata de eleição e posse consta o período do mandato do dirigente, ainda em curso. E ele é exercitável desde logo, tendo o autor direito de ser reintegrado imediatamente. Isso é direito liquido e certo.
[35] De se ver a OJ nº 52 da SDI-II do TST.

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