Meus caros, muito me intriga a utilização exacerbada da expressão "colaborador" para os prestadores de serviços, em todas as atividades econômicas, mas também no âmbito da advocacia.
Há casos em que se verifica a plena autonomia do "colaborador", que poderia ser assim intitulado. No entanto, há casos em que o "colaborador" não passa de um autêntico empregado, estando presentes todos os requisitos de uma relação empregatícia.
Recentemente apreciei uma causa de um advogado que postulava reconhecimento de vínculo de emprego e este se tornou patente. Há recurso interposto, mas segue a fundamentação da sentença para a apreciação de vocês e análise crítica.
Abs. e boa semana.
RELAÇÃO DE EMPREGO
O autor postula a
declaração da nulidade do contrato de associação firmado com a ré na qualidade
de sócio, com o consequente reconhecimento do vínculo empregatício entre as
partes.
De se destacar que a controvérsia dos autos consiste em que,
na visão do autor, houve fraude a seus direitos trabalhistas porque, para
prestar serviços à ré, ele foi contratado para integrar o quadro societário
desta, tão somente para mascarar a relação de emprego existente entre as
partes, até porque inexistiu entre estas o propósito associativo (affectio societatis).
A ré se defende, asseverando que o autor firmou, por sua
livre e espontânea vontade, contrato de natureza civil de prestação de serviços
de advocacia (contrato de associação), não havendo falar em qualquer relação de
emprego entre as partes embatentes, até porque não houve subordinação jurídica
nas atividades exercidas por ele, pois o autor tinha plena liberdade para atuar
em casos particulares e não havia controle de jornada.
Pois bem, para o reconhecimento da existência da relação de
emprego faz-se necessária a presença concomitante de todos os requisitos
previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam, pessoalidade, não
eventualidade, onerosidade e subordinação, de modo que a ausência de um
descaracteriza o seu reconhecimento.
Nesses termos, se caracterizada a autêntica prestação de
serviços como autônomo, não há falar em relação de emprego e, por via de
consequência, em quaisquer dos direitos trabalhistas postulados.
Tendo a ré alegado um fato impeditivo dos direitos
postulados pelo autor, o onus probandi compete a ela (art. 818 da CLT;
art. 333, inciso II, do CPC).
Passando à análise do conjunto probatório dos autos, entendo
que a ré não se desincumbiu satisfatoriamente de seu ônus de comprovar o fato
impeditivo alegado contra a pretensão do autor, ou seja, a existência de
relação de trabalho autônomo mediante contrato associativo de advogado. Ao
contrário, tenho que restou caracterizada a autêntica relação de emprego.
Conforme o depoimento prestado pela testemunha do autor,
este cumpria jornada fixa, das 9h às 18h, de segunda a sexta-feira, com uma
hora de intervalo intrajornada, sendo que, mesmo quando não houvesse
serviço, ele tinha que permanecer no escritório no referido horário. Disse,
ainda, que o autor fazia uso de veículo próprio nas viagens realizadas e que a
ré pagava as despesas com base na quilometragem percorrida (itens 2, 9, 10, 11
e 15 – fls. 319/320 – grifo meu).
A primeira testemunha da ré disse que não participou da contratação
do autor, não sabendo, ao certo, o que ficou combinado entre eles. Mais
adiante, informou que tinham que acessar o sistema informatizado da ré para
verificar os serviços que tinham que cumprir, como ir aos fóruns, peticionar,
buscar veículos, já que a ré trabalha com busca e apreensão de veículos.
Afirmou que, depois de um tempo, passou a dar treinamento em filiais, quando,
então, recebia remuneração fixa. Disse que o autor recebia um valor fixo e
mais o pagamento das metas, não sabendo elucidar quais eram os valores. Não
soube esclarecer se o autor podia ter clientes particulares, sendo que a
testemunha não os tinha, em virtude do volume de serviço. Disse que não
recebia participação em honorários, acreditando que o mesmo ocorria com o autor
(fls. 320/321 – grifei).
Demais, o depoimento prestado pela segunda testemunha da ré,
além de não ter feito qualquer informação relevante, revelou-se extremamente
inseguro, já que nem se recordava dos meses de sua admissão e saída da ré.
Referido depoimento, portanto, não bastou para fins de formação do
convencimento judicial quanto à matéria sob análise.
Ora, diante do conjunto probatório produzido nos autos,
restou demonstrado que o autor cumpria jornada fixa, permanecendo à disposição
da ré em seu escritório ainda quando não mais houvesse serviço, e que não
recebia participação nos lucros e resultados da sociedade, pois recebia valor
mensal fixo (conforme recibos de pagamento de fls. 36/76, cujos valores tinham
variação mensal mínima de R$ 10,00 a R$ 15,00), além de eventuais
ressarcimentos de despesas ou quilômetros rodados decorrentes de deslocamentos
em trabalho.
Demais, restou comprovado que, além da remuneração fixa, o
autor recebia conforme o cumprimento de metas. Ora, o fato de os
associados terem metas a cumprir, no caso concreto, é uma relevante
característica da subordinação jurídica, por se tratar de exigência de
trabalho, rendimento e produção.
Por fim, de se destacar que os serviços prestados pelo autor
se relacionavam à atividade-fim da ré – escritório de advocacia – bem como
havia a necessidade permanente do trabalho do autor, o que se comprova pelo
lapso temporal da relação estabelecida entre as partes (de 11-8-2008 - data da
assinatura do contrato de associação – até 29-2-2012 – quando foi rescindido o
ajuste inicialmente firmado). Verifica-se, portanto, a presença do elemento
subordinação, em sua forma estrutural.
A ilação, portanto, é a de que a prestação dos serviços pelo
autor não foi efetivada na condição de advogado associado, tal qual previsto no
art. 39 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.
Declaro, pois, a
nulidade do contrato de associação firmado entre as partes e, por via de
consequência, a existência de vínculo empregatício entre o autor e a ré no
período compreendido entre 11-8-2008 e 29-2-2012.
E sendo a continuidade da relação de emprego um princípio
que milita em favor do empregado, tenho que o autor foi dispensado
imotivadamente pela ré em 29-2-2012.
No mais, acolho, como primeiro e último salários recebidos
pelo autor, as quantias informadas na prefacial, ou seja, os importes de R$
771,27 e de R$ 1.585,09, respectivamente.
Determino, de ofício,
que a ré proceda à anotação do contrato de emprego na CTPS do autor, com os
seguintes dados: admissão em 11-8-2008 e dispensa em 29-2-2012; função de
advogado; e salário inicial de
R$ 771,27, com evolução salarial conforme recibos acostados juntamente
com a prefacial. Tudo no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da
sentença, a contar da intimação para tanto, sob pena de imposição coercitiva.
E deverá, ainda,
providenciar os recolhimentos previdenciários do período contratual.
Outrossim, procede o pedido de pagamento de diferenças
salariais com finco nas normas coletivas trazidas juntamente com a prefacial,
pois a ré, em sua defesa, muito embora tenha alegado que esteja vinculada ao
“SEAAC DE ARARAQUARA E REGIÃO” (fl. 173), sequer trouxe aos autos os
instrumentos coletivos equivalentes a fim amparar referida alegação defensiva.
Sendo assim, condeno a ré ao pagamento das diferenças
salariais de todo o período contratual, entre os valores mensais percebidos
pelo autor e o piso mínimo assegurado no item “d” da cláusula terceira dos
instrumentos coletivos de fls. 135/162, considerando-se, para tanto, o período
de inscrição do autor no quadro dos advogados da OAB (desde 9-5-2003 – fl.
163).
Procedem, no mais, os pedidos de pagamento das seguintes
verbas:
a)
aviso prévio indenizado de trinta dias, devendo
ser amortizada a quantia percebida no mês de março de 2012 (fl. 76);
b) décimo terceiro salário proporcional de 2008 (5/12),
integral dos anos de 2009, 2010 e 2011 e proporcional de 2012 (3/12,
considerada a projeção do aviso prévio indenizado);
c) férias vencidas dos períodos aquisitivos de 2008/2009,
2009/2010 (em dobro), 2010/2011 (forma simples) e proporcionais do período
aquisitivo de 2011/2012 (7/12, considerada a projeção do aviso prévio
indenizado) indenizadas, mais o terço constitucional;
d) FGTS de todo período contratual, inclusive sobre as
verbas aqui deferidas, nas quais incide, mais multa de 40%;
e) multa do art. 477, § 8º, da CLT.
O pagamento dos valores devidos a título de FGTS atinentes a
todo o período contratual far-se-á diretamente ao autor, o que torna
desnecessária a entrega do TRCT para fins de soerguimento daqueles.
A ré deverá, ainda, fornecer ao autor, no prazo de cinco
dias após o trânsito em julgado da sentença, a contar da intimação para tanto,
o comunicado de dispensa (CD/SD), apenas para requerimento do seguro-desemprego,
sob pena de execução direta pelo valor
equivalente, o que ocorrerá inclusive se ultrapassado o prazo legal para
encaminhamento do Requerimento do Seguro-desemprego e o benefício não for pago.
O valor da indenização do seguro-desemprego, se for o caso,
será calculado conforme previsão contida no art. 2º da Lei nº 8.900, de
30-6-94, e nos artigos correspondentes da Resolução do CODEFAT, em vigor quando
da dispensa imotivada.
Diante da controvérsia instalada, não há falar em multa do
art. 467 da CLT.
Oficie-se, após o
trânsito em julgado, ao Ministério Público do Trabalho, à Receita Federal do
Brasil e à Gerência Regional do Trabalho enviando-se-lhes cópia desta sentença
e da ata de audiência de fls. 319/323, para que tomem as providências que entenderem
cabíveis.